Espelho Meu Andreia Brites 5 Maio 2022

O Gnu e o Texugo – Está a chover
Ana Pessoa
Madalena Matoso
Planeta Tangerina

No segundo álbum em que a dupla de amigos é protagonista também há uma condição climatérica específica. Desta vez não é o vento mas a chuva que reina e, por sua causa, o Gnu e o Texugo decidem ficar a tomar chá e a jogar às cartas no conforto do lar.

Ora, como em qualquer narrativa assinada por Ana Pessoa, o elemento surpresa chega sem aviso prévio e manifesta-se por um desvio possível mas improvável no comportamento das personagens, nas escolhas e observações que proferem, nas ações que empreendem. É o seu olhar transgressor sobre a norma que a desconstrói com uma simplicidade desarmante.

Aqui acontece que os amigos decidem jogar às cartas mas desconhecem quaisquer regras. Inesperadamente usam as cartas como estímulo para contarem uma história e assim se tece a apologia de uma das condições mais intrínsecas da humanidade enquanto espécie.

A imaginação, o ato de narrar e a curiosidade de ouvir assumem um lugar lúdico, criador de possibilidades imprevistas e até irrealizáveis, abrem portas ao território do absurdo. Com o jogo reforça-se o prazer de jogar e continuar.

Assim, e à imagem do que se experimenta no volume anterior, também o próprio livro enquanto objeto de possibilidades de leitura se oferece a outra exploração, uma nova forma de contar as mesmas cartas (imagens), agora invertidas nas páginas. A segunda história que o Gnu e o Texugo inventam implica virar o livro ao contrário e ler as imagens do fim para o princípio. Não é a estratégia que é nova, é a coerência do álbum que lhe dá sentido. Nessa lógica, a sugestão ao leitor de criar novas histórias com as imagens que se apresentam nas últimas páginas reforça duplamente a narrativa porque valoriza tanto o ato de contar quanto o de ler.

A expressividade também não é descurada: as onomatopeias que se sucedem acompanham os gestos empáticos dos dois amigos e contribuem para o ritmo cadenciado da ação. E quando se intui que o final se fecha no jogo das cartas, eis que se acrescenta uma adenda inesperada com nova brincadeira e uma referência intertextual. Agora impõe-se a liberdade de brincar, de seguir desejos, de improvisar como mote principal. Com a tal simplicidade que desconcerta por ser tão fácil e feliz. E que se encontra em diálogo entre o álbum e o leitor.

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