Espelho Meu Andreia Brites 2 Outubro 2025

O dia mais chato
Maria Nogueira Nössing
Planeta Tangerina

Quem nunca se sentiu ausente num contexto familiar? Quem nunca sentiu que queria estar noutro lugar? Quem nunca sentiu que nada nem ninguém o entusiasmava? 
Podemos chamar-lhe insatisfação, podemos chamar-lhe tédio. O título opta por dia chato, o dia mais chato.
Tudo acontece num dia de escola, em que, desde a chegada, o protagonista manifesta essa indiferença pelo que se passa à sua volta. A forma como vai relatando o comportamento e as ações dos colegas é meramente enunciativa: quem brinca com quem, quem faz que atividade na sala, quem diz o quê, quem interage consigo. Apesar de não existir nenhuma crítica aos outros, a sua descrição do que sente em cada momento é pautada por um mau estar, uma ausência de motivação. Que efeito estas palavras terão no leitor, dependerá do nível de identificação ou empatia. 

A ilustração também organiza a narrativa de forma a que se estabeleça um contraste entre o espaço onde o protagonista está e onde assiste a todas as interações e aquilo que são as suas ações e desejos. Nas páginas da esquerda, a ilustração é composta por elementos desenhados com contorno e sem preenchimento de cor. A exceção está reservada para o que interessa ao protagonista, que aparece colorido, seja o peixe no aquário, a minhoca de barro, o ninho com o passarinho ou a nuvem. Nas páginas da direita são estes elementos quem ganha destaque, merecendo outra dimensão e uma página inteiramente preenchida com cor. O ambiente a preto e branco contrasta com a cor do universo do menino, comprovando o que sente em relação ao que o rodeia e o que lhe apetece fazer, o que imagina e pensa. Os acontecimentos desenrolam-se ao longo de todo o dia de escola, até que chega o intervalo da tarde. Aqui opera-se uma transformação que acontece por acaso. E as páginas vão ganhando cor até ao clímax narrativo, em que todo o grupo está junto e feliz. 

Os pormenores da ilustração são preciosos para a construção da personagem principal, sempre recolhida na sua camisola com capuz. Não se lhe vêem mais do que umas pontas do cabelo. Os olhos estão sempre cabisbaixos e a boca fechada. Exceto quando se evade para o ninho ou conversa com a nuvem. Os colegas, ao invés, estão sempre em posições diferentes, com as bocas abertas de rir ou gritar e expressões de alegria.
O final surpreendente devolve a esperança ao leitor e cumpre o sentido do título: o dia mais chato. É apenas um dia, não é preciso imaginar que o protagonista não tem amigos ou que está num sofrimento permanente. Naquele dia, nada lhe parecia interessante ou motivador, isso é a única certeza que o leitor consegue ter. Também consegue depreender um interesse ou atenção maior do menino pela natureza, o que se comprova mais tarde.

Quando não nos entusiasmamos com nada, há uma enorme probabilidade de ficarmos entediados. E também é verdade que o tédio nos obriga, muitas vezes, a procurar algo que nos dê prazer. E ainda é seguro que quando nos entusiasmamos muito com algo e os outros vêem, muitas vezes juntam-se a nós para partilharem e sentirem a mesma emoção. Este álbum pode ser sobre tudo isto: tédio, identidade, criatividade, amizade. Não é pouco.

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