Espelho Meu Andreia Brites 12 Fevereiro 2021

Maldita Matemática
Arkádi Avértchenko
João Fazenda
Bruaá
Nina Guerra, Filipe Guerra

Resolver problemas de matemática não traz memórias felizes a muita gente, é sabido. Quando o problema envolve várias incógnitas e se pressentem equações nas imediações tudo se avoluma. A questão é: até que ponto. Será um belo ponto de partida para esta narrativa de mestria lexical, de retórica efabulatória e, a bom da verdade, bastante divertida.

Semion é um rapaz de sentido trágico apurado e de imaginação fácil, diríamos até surpreendentemente encantatória. Já a sua relação com a lógica abstrata da matemática deixa algo a desejar. Todavia, ficará o leitor sem saber se por dificuldades processuais, de trigonometria ou apenas por uma premente necessidade de se ausentar daquele raciocínio imposto. Do desafio de descobrir com rigor qual de dois caminhantes chegou primeiro do ponto A ao B, o protagonista constrói uma aventura emocionante, alicerçada sobre as suas próprias curiosidades a que responde com detalhes geográficos, a descrição acurada das personagens e uma progressão narrativa de fazer inveja a muito escritor de nome na praça.

A leitura do livro é, por todas estas razões, deliciosa e as ilustrações pautam o texto com o dinamismo dos vários momentos da ação, sem lhe apontar exageros ou caricaturas. Esta fidelidade representativa por parte de João Fazenda, que acrescenta com o movimento e a expressividade dos elementos uma emoção redobrada ao texto, potencia toda a retórica do humor disposta na organização verbal.

Se é, neste contexto, um álbum acessível, pois não se plasma transparente e linear com uma leitura literal. O domínio da língua é condição primordial, bem como a descodificação de sentidos figurados. Todavia, estamos perante um paradigma de qualidade literária e estética, de equilíbrio e coerência entre o discurso textual e o discurso visual e sobretudo somos desafiados e surpreendidos, sem melancolias, moralismos, anátemas ou simplismos. Maldita matemática é uma tomada de posição que, muito mais do que afirmar dificuldades, se desvia para outro universo que é o que é. Perde-se o problema, ganha-se uma aventura. Mas enfim… não se pode ter tudo.