Lembrar Maryse Condé
A escritora caribenha Maryse Condé morreu no passado dia 2 de Abril, aos 90 anos, e o Buala lembra a sua contribuição para a literatura, mas também um percurso biográfico e de pensamento marcado pelas assimetrias que o colonialismo continua a traçar.
Maryse Condé tem poucos livros traduzidos em Portugal, o que está longe de permitir um acesso representativo à sua vasta obra. Ainda assim, À Espera da Subida das Águas (Quetzal), O Evangelho do Novo Mundo (Livros do Brasil) ou Eu, Tituba, Bruxa… Negra de Salem (Maldoror) são uma boa porta de entrada para os muitos mundos criados por Condé.
No Buala, Pedro Cardoso franqueia essa porta e traça o percurso de vida da autora de Guadalupe, acompanhando-a na sua mudança para França, na sua jornada de treze anos por diferentes países africanos, no regresso a França, já na década de setenta do século passado, e mais tarde no regresso a Guadalupe: «“A França era profundamente racista, as crianças recusavam-se a sentar-se ao lado dos negros no metro”, contou numa entrevista a El País, em 2021. “As pessoas faziam comentários do género ‘como é fofa essa menina’. Foi quando percebi que não era como os franceses. Antes, eu não sabia disso. Descobri-o em Paris.” Nesses “anos de choque”, Maryse estudou na Sorbonne. Trabalhou na rádio e frequentou os círculos intelectuais negros. Nunca deixou de escrever e, em 1953, publicou os primeiros contos. A curiosidade e “uma certa busca identitária” levaram-na em 1960 por uma longa jornada africana de 13 anos. Viveu na Côte d’Ivoir, Gana, Senegal e Guiné-Conacri, onde se politizou com colegas marxistas. “Sou atraída por pessoas prontas a desobedecer à lei e que se recusam a aceitar ordens de qualquer pessoa – pessoas que, como eu, não acreditam em riqueza material, para quem o dinheiro não é nada, ter uma casa não é nada, um carro não é nada”, disse numa entrevista de 1989 ao jornal Callaloo. “Esse tipo de gente tende a ser minha amiga.”»
Com Segu, seu terceiro romance, onde se reflecte o impacto do tráfico de pessoas escravizadas e do colonialismo numa família de pergaminhos reais do Mali, Maryse Condé ganhou nome no palco literário internacional. Depois disso, juntou prémios, reconhecimento e, sobretudo, leitores para as dezenas de livros que escreveu, entre ficção, não ficção e dramaturgia. «Dizia que não escrevia “nem em francês, nem em crioulo”, mas sim “em Maryse Condé”», escreve Pedro Cardoso, citando a autora. É um idioma que vale a pena conhecer.