Espelho Meu Andreia Brites 24 Maio 2022

Avó Z
Daniel Gray-Barnett
Fábula

Talvez a aparição súbita de uma mulher exuberante, de capacete na mão e óculos que se assemelham a uma mascarilha à porta de uma criança frustrada não ecoe em toda a gente a figura da super-avozinha, a insólita super-heroína da série de televisão na década de 80. 

Todavia, para além dos adereços há um efeito surpresa que se vai alimentando na sucessão de atividades que esta avó proporciona ao seu neto no dia do seu aniversário e que transpira liberdade, alegria e força.

Também o nome – Avó Z – remete para o universo dos super-heróis, e Alberto bem pode confirmá-lo quando constrói a mansão, quando sobe ao monte encantado ou quando brinca na floresta mágica. 

É pela mão desta avó normalmente ausente que o menino realiza o sonho de ter um dia de aniversário diferente.

A ideia da norma restritiva, que condiciona a imaginação e impede o imprevisto e novas experiências, impõe-se logo no início do álbum de forma incisiva e desconfortável para o leitor. É clara a frustração da criança e a sua resignação a um estado de invisibilidade.

Quando chega a avó, Alberto tem uma escapatória e assume-a sem hesitar. A partir daí abre-se um incrível mundo novo que apaga a fronteira entre a realidade e a imaginação. 

A narrativa caminha com uma subtileza do implícito e da dúvida porque na economia textual não se dão pistas sobre a origem desta avó, não se desfazem hipotéticos devaneios, não se justificam ou esclarecem momentos. Tudo se centra na sucessão de acontecimentos, primeiro castradores, depois reveladores.

A ilustração, para além de intercalar páginas em que o trabalho de perspectiva e o preenchimento da cor são mais intensos com outras mais descritivas, assenta na dualidade do preto e branco e do laranja e azul para assinalar a transformação que se começa a operar em Alberto.

Se no início tudo na sua casa era cinzento, excepto um pequeno apontamento nas meias, a partir do momento em que abre a porta à avó, quer ela quer o mundo exterior estão pejados de azul e laranja, cores complementares e harmoniosas. À medida que o dia vai passando, o rapaz vai abandonando a compostura do traje formal, sendo progressivamente contagiado pelas duas cores do mundo. No regresso a casa, as cores regressam com ele, o que se reflete de forma paradigmática na ilustração em que Alberto se deita no tapete colorido, de braços e pernas abertas. 

A excentricidade associada à fantasia cumpre a intenção programática da narrativa: defender a alegria, a espontaneidade e a liberdade como valorização da subjetividade, a começar na família.

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