O que vem à rede Sara Figueiredo Costa 24 Maio 2022
Julián Fuks

A obra e o artista
Julián Fuks sobre Mario Vargas Llosa e a impossibilidade de ler uma obra sem noção de quem a escreveu.

A propósito das recentes declarações de Mario Vargas Llosa, sobre a sua preferência por uma reeleição de Bolsonaro nas próximas eleições brasileiras, o escritor brasileiro Julián Fuks assina, na sua habitual crónica na UOL, uma reflexão sobre a coincidência ou a separação da obra e de quem a cria. Apreciador da literatura do autor peruano, Fuks explica como sempre se sentiu incomodado com as suas declarações públicas e políticas, sem que isso afectasse a sua relação com os romances, e como isso mudou com o passar dos anos e a acumulação de opiniões de Vargas Llosa sobre temas como certas guerras ou as vítimas de diferentes ditaduras.

O escritor peruano Mario Vargas Llosa

Sem apedrejamentos morais ou apelos à censura, Julián Fuks deixa claro que é possível – e, por vezes, inevitável – assumir o corte com a obra de um autor sem com isso querer apagar o seu nome e a sua produção do espaço público que partilhamos: «Nada disso precisa resultar, sempre cabe dizer, numa perseguição desmedida aos artistas ou no cerceamento de suas opiniões livres, mesmo daquelas que desprezamos. A esta altura já é possível ver como pouco razoável qualquer tentativa de banimento de um autor, ou de sua exclusão absoluta do debate — um gesto quase sempre contraditório porque carrega em si aquilo que desejar combater, a violência e o autoritarismo desastrado. Em matérias complexas, afinal, nunca parece muito recomendável o juízo sumário, categórico, irrevogável. Mas, se não nos cabe o discurso virulento e persecutório, também não deveria nos caber o perdão automático em nome da continuidade de uma adoração. Há quem queira, com base na separação entre obra e artista, eximir o artista de toda responsabilidade, mantê-lo inatingível a todo juízo crítico. Talvez o façam para preservar o encantamento que sentiram no passado diante de tais obras, mas assim correm o risco de deixar de compreendê-las no presente, deixar de enxergá-las agora, com novos olhos, à luz de novas noções que por décadas ficaram relegadas às sombras.»

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