Destaque Testemunhos 2 Junho 2023
José Pinho © Daniel Mordzinski

Um adeus a José Pinho

No passado dia 30, morreu em Lisboa o livreiro, produtor e impulsionador de projetos culturais,  José Pinho. Entre muitas das suas criações estão dezenas de livrarias, entre elas a Ler Devagar, e os festivais FOLIO e Latitudes. Em jeito de homenagem e de despedida, a Blimunda pediu a pessoas que trabalharam e conviveram com José Pinho um breve testemunho sobre o homem que sonhava – e produzia – como poucos no meio cultural.

As letras e os livros não perdem apenas um gestor de festivais e proprietário de livrarias. Perdem um criador, um artista, um visionário que viu na literatura a utopia possível da civilização. O legado de José Pinho é este: livros em todos os lugares.

Afonso Borges – produtor cultural brasileiro

© divulgação

José Pinho, o Pinho, envolvia pessoas, misturava pessoas, criava livrarias, criava festivais, fervilhava. Tinha um riso de menino que brinca à bola e se deslumbra. Trabalhei com ele no Folio, eu e mil, porque ele era de mil pessoas. O colectivo era o seu reino. Não consigo pensar no Pinho senão a fintar a morte e a dizer ao médico: três meses não me chegam, preciso de mais tempo para fazer ainda aquilo. Numa pequena homenagem partilhada nas redes sociais, usei uma pintura de Lucien Freud, porque transmitia a paixão da sua vida (as paixões, mas tão indissociáveis que são uma só): pessoas e livros.

Anabela Mota Ribeiro – jornalista e escritora

DR

Desta vez, as notícias não foram exageradas.  Partiu o homem que nos fazia ler devagar.

Ana Paula Laborinho – Diretora em Portugal da OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos)


Era domingo de mayo y los jacarandás estaban en flor. Yo llevaba pocas horas en Lisboa, le había escrito a Pilar para contarle de mi llegada, y a los pocos minutos me invitaba a compartir un plato de lentejas caseras:La calle se llama F.P. la entrada se encuentra bajo un árbol grande y criminal para las alergias.

Hablamos de porqué aquí, del motivo del no más allá, y Pilar me contó, con su generosidad de siempre, y a la manera de un mapa del tesoro, quién es quién en los corrillos del mundo literario portugués.

Fue la primera vez que escuché pronunciar su nombre: José Pinho.

Al día siguiente, despertaba con un correo de Pilar, en tono agente secreto: Te quiero a las 13 horas en el Teatro Sao Luiz.

Llegué puntualmente, Pilar también. Me presentó a Guilhermina Gomes, a políticos de la ciudad, de la cultura y a José Pinho, quien ese mediodía sería el único orador de la presentación de un nuevo festival literario en Lisboa. José habló con pasión, con entusiasmo y siempre con una sonrisa.

Ese fue nuestro primer encuentro, hubo algunos más, y aunque simpatizamos de entrada, no llegamos a compartir un café, ni a hacer un proyecto juntos.

Seguiré visitando sus librerías. Siempre recordaré con cariño su bonhomía, su entusiasmo y su enorme y luminosa sonrisa.

Daniel Mordzinski – fotógrafo argentino

© Daniel Mordzinski

Começo pelo essencial: José Pinho (1953-2023) não morreu. Não acho que tivesse tempo para isso, entre livrarias, escolas, árvores, salas de conversa, pátios, balcões e mais livrarias, fosse onde fosse. Fez viagens espantosas (foi a única pessoa com quem gostaria de me cruzar em Paramaribo e que não se perdeu a chegar de comboio à China), refez a vida, deu a volta, insistiu tantas vezes, resistiu muitas mais — porque recomeçou sempre que era necessário. Viveu rodeado de amigos, memórias, amores, uma vida plena. Nunca esqueceremos as várias versões daquela livraria infinita que flutuava na sua cabeça como uma nuvem. A esta hora já tratou da abertura de uma livraria nos céus, explicando, enquanto empilha os livros, que a eternidade não é senão uma página que nunca encontrámos.

Francisco José Viegas – editor e escritor


José Pinho foi um fabricante de heterotopias: criou espaços contra hegemônicos regidos pelo livro. Em volta desse objeto obsoleto, moveu montanhas e garantiu seu lugar na eternidade das estantes. Não acredito no paraíso, mas acredito nas livrarias. E sei que ele vai estar vivo em cada uma delas.

Gregório Duvivier – ator e escritor brasileiro


José Pinho era uma força da natureza. A cultura da língua portuguesa muito lhe deve e continuará a dever. As diversas iniciativas que assumiu durante toda a sua vida merecem que continuemos fiéis ao seu espírito.

Para ele a cultura era uma realidade viva que exigia a atenção às pessoas, autores, artistas, público, todos.

Para ele, os grandes autores e as instituições mais relevantes deveriam ligar-se ao cidadão comum.

O livro e a leitura correspondiam a instrumentos cruciais para a defesa da dignidade humana.

Mais do que cultura popular e cultura erudita, haveria que estarmos atentos à cultura, como capacidade de semear e colher.

Assim, a qualidade, a exigência, o rigor, a aprendizagem, a atenção e o cuidado ligavam-se naturalmente.

O José Pinho era uma personalidade extraordinária, com uma preocupação permanente de proximidade e de partilha.

“Ler Devagar” e o projeto de Óbidos cidade da leitura são referências fundamentais que não podemos esquecer.

O José Pinho continua connosco!

Guilherme d’Oliveira Martins – Administrador da Fundação Calouste Gulbenkian


Há uns anos, tive a felicidade de participar de um debate na Ler Devagar, uma das livrarias mais bonitas do mundo. Descobri que ela recebia esse título porque era tocada por José Pinho, um dos livreiros mais especiais do mundo. Recentemente, ele vinha tratando com muito entusiasmo a nossa parceria entre o Sesc (Serviço Social do Comércio) e o FOLIO (Festival Literário Internacional de Óbidos). Com ampla visão sobre nossas sociedades, Pinho erigiu pontes entre países, abriu caminhos de diálogos, criou laços profundos entre nossas culturas, sempre com o coração aberto como quem abre um bom livro.

Henrique Rodrigues – escritor e analista de Cultura do Sesc (Brasil)

© Folio divulgação

Cuando pienso en José Pinho veo el brillo de una mirada y una sonrisa que cuestionaba con franqueza a su interlocutor. Veo al hombre de paso enérgico y ligero que se escabullía para encontrar su soledad, aunque vivía en el centro de un laberinto de libros y personas. La última vez que hablamos fue en la edición de FOLIO 2022, en Óbidos. Como en cada uno de nuestros encuentros, José fue cálido en su abrazo y, a pesar de sus muchas obligaciones como organizador, conversamos sobre un proyecto para presentar poetas iberoamericanos en Portugal. En medio de nuestra charla le pregunté cómo se sentía, pero no me respondió, hizo una mueca entre la sonrisa y el hastío y retomó el hilo de la conversación como si la muerte no tuviera poder.

Lauren Mendinueta – poeta colombiana


José Pinho foi um denominador comum da rica vivência literária de Portugal. Foi uma dessas figuras que colocam o livro e a literatura no exato local onde eles devem estar.

Patrícia Mello – escritora


O Zé Pinho era um homem que sonhava. Foi isso que mais me impressionou nele, mal o conheci: o brilho nos olhos, quando se punha a sonhar. O Zé Pinho era um daqueles sujeitos raros, raríssimos, que tinha a capacidade de imaginar projetos em que ninguém acreditava — e, depois, contra tudo e contra todos, realizava-os. Só lhe interessava o impossível. Foi assim até ao fim: um sonhador prático. Esse é também o seu grande legado — deixou-nos mil sonhos por cumprir.

José Eduardo Agualusa – escritor

© Folio divulgação

Há muitos Zés na terra, mas como este, que é meu, este é que é e será sempre nosso, só conheci um.

Sorriso pronto, olhar generoso, queda para o exagero no tamanho do sonho, perito em utopias, filantropo, bibliómano, homem livre… tudo menos louco.

Para o Zé um livro era pretexto para um encontro, um encontro era pretexto para um festival, um lugar era pretexto para ali acontecer uma livraria e depois outra e mais outra… Um festival literário era uma festa, uma conversa agigantada, onde as noites se confundiam com os dias cheios de vida, leituras e pessoas. O Zé gostava de livros e de pessoas, gostava de viajar… O Zé era um engenheiro que fazia pontes entre pessoas, textos, idiomas, países; era um construtor de passadiços literários que davam acesso à aceitação pela diferença, pela cumplicidade, pela autenticidade e pela liberdade de sermos humanos imperfeitos, pessoas de carne e osso cheias de identidade e poder.

O Zé era um arquitecto, fazia casas com afectos, abraços onde cabia toda a literatura do mundo.

O Zé era Livreiro sim senhor! Abriu mais portas do que fechou e em todas as casas havia livros.

O Zé era livros, música, vinho, arte e cultura num só homem.

O Zé era caos, era pressa, era ponte, era porto de abrigo, era loucura, lucidez e mundo.

Para o Zé não havia impossíveis, havia desafios, sonhos, travessias, projectos urgentes e poucos assuntos pendentes.

Dono e si mesmo e de um olhar único a quem não se diz que não, o Zé não era, o Zé é tudo isto e muito mais.

Zé, estou a enlouquecer de saudades e por isso não vou fazer o luto, vou viver todos os dias e continuar-te a dizer-te que sim.

Não sou engenheira, nem arquitecta, não tenho a tua ginga e a tua sabedoria mas vou continuar a abrir a porta da livraria todos os dias. Temos, entre outros assuntos,  uma Vila Literária para cuidar e tanto para ler devagar.

Vemo-nos um dia destes, espero ter livrarias abertas, festivais a acontecer e vilas literárias prontas a habitar quando aí chegar.

Até já!

Mafalda Milhões – livreira e escritora


O Zé Pinho era um fabricador de sonhos, que corria atrás deles para os concretizar!

Manuel Lisboa – professor universitário


A morte sempre é uma interrupção do projeto chamado vida. Um projeto engajado na coreografia das possibilidades. José Pinho participou lindamente dessa coreografia escolhendo os livros para colocar em cena nesse lugar onde os corpos se encontram. Abrir páginas, fazer circular o texto e, assim, avivar a democracia, essa foi a delicada – e imensa –  obra de sua vida.

Criar espaços e abrir caminhos para que houvesse mais leitores, para que os livros não fossem esquecidos em um mundo que ameaça a cultura do livro e nem sempre respeita o conhecimento neles contido, esse foi o seu gesto essencial. Nesse sentido, a vida do Zé Pinho foi também a dos que resistem. Ele nos deixa a experiência gratidão. E seguiremos lembrando dele com esse sentimento.

Márcia Tubiri – filósofa e escritora brasileira


Já passava das onze da noite quando José Pinho apareceu do outro lado da praça. Estávamos em Paraty para a Flip, o festival literário mais importante do Brasil, e embora não sabíamos que Pinho também estava por lá, não chegava a ser uma surpresa encontrá-lo. A surpresa era ele aparecer tão tarde. Vinha com um ar cansado, mas mantinha o característico sorriso no rosto. “Onde estavas, Zé?”, alguém perguntou. E ele contou que acabara de chegar à cidade, que pela manhã tinha alugado um carro em Belo Horizonte (onde tinha ido visitar um neto) e dirigido o dia todo. Os brasileiros do grupo, que sabíamos o tamanho da travessia que José Pinho acabara de concluir, estavam incrédulos. Além da enorme distância que, sozinho, percorrera, tinha apanhado algumas das piores estradas do país. Para aumentar o grau de dificuldade, fizera boa parte do percurso – talvez a pior – à noite. Contou que tinha se perdido, porque em algumas partes o telefone não apanhava sinal de rede e o gps deixava de funcionar. “Mas o importante é que cheguei, estou aqui”, arrematou.

Quando soube da morte de José Pinho me lembrei imediatamente desta história. Penso que ela resume bem quem era ele, uma pessoa que fazia coisas que todos julgávamos serem impossíveis, e as fazia com um sorriso no rosto. Voltou daquela viagem de Paraty com o firme propósito de alugar um casarão na cidade para fazer uma livraria, espaço de exposições e local de encontros, e a imaginava como uma espécie de embaixada cultural portuguesa no Brasil. Parecia mais uma loucura de Pinho, mas ele explicava com tanta convicção e entusiasmo que acabava por convencer a todos.  Não teve tempo de concluir esse projeto, mas nos deixou muitos outros. Espero que tenhamos a grandeza de cuidar da memória e do legado do José Pinho.

Ricardo Viel – Diretor de comunicação da FJS

DR

Hay personas que parece que llegan a la vida para recibir e incluso para exigir: esto es mío, dicen, reclaman, objetan, y se van. Hay otras que ofrecen siempre y esas son las mejores. José Pinho, el librero de Portugal, iba ofreciendo allá por donde pasaba. Es verdad que a las cámaras municipales les solicitaba edificios y a las personas mecenazgos, pero era porque antes había ofrecido proyectos enriquecedores para la sociedad. Así lo hizo con la Fundación José Saramago, con la que colaboraba. Entraba por la puerta y el edificio se sentía a gusto, se notaba que extendía frente al encogimiento que experimenta cuando nota aires turbios o mezquinos. Llegaba a la Fundación José Pinho, decía, hablando alto, con la sonrisa puesta, y sin que mediaran saludos ofrecía un concierto, una exposición en la calle, la presencia de escritores de otros países, la luna en bandeja y le oímos maravillados. Luego le hacíamos aterrizar, se le explicaba que las estrellas del cielo iluminan pero no sostienen la Fundación, que esta casa de piedras y de palabras se mantiene abierta por los derechos de autor de José Saramago, caso único en la historia de los monumentos, que quienes trabajan en la Fundación asumen, como José Saramago, la militancia más hermosa, sin horarios ni contraprestaciones, pero no pueden contratar al premio Nobel de Literatura para que dé un concierto en la plaza, aunque, quien sabe, a Bob Dylan tal vez le gustaría. José Pinho aparecía en la Fundación siempre con ideas grandes, del tamaño de la ciudad y del mundo, y con él colaboramos y fue un honor que nada ni nadie podrá apagar nunca.

Fuimos felices con José Pinho, hombre generoso y valiente, soñador de todas las utopías. Conservar su memoria será seguir apostando por la cultura y los encuentros y hacerlo con la naturalidad con la que él organizaba la vida. Nunca trabajó para él, por eso hombres y mujeres de tres continentes lo despiden con pasión. Es lo que tiene la bondad, que germina, se hace ver y florece. Acojámonos a la sombra de José Pinho para brindar, con el mejor tinto, por haber compartido su tiempo y su hermosa locura.

Pilar del Río – presidenta da FJS


Sempre se disse (acho que fui eu) que o Zé Pinho começava as casas pelo telhado.
Isso poderia ser preocupante em si, mas nele acreditava-se no que ele acreditasse. Por baixo do telhado ia preenchendo os espaços díspares, úteis por função e fruição. Ele sempre juntou essas duas características. Sabia que a função da cultura era tanto de ser útil, como gratuita. E assim se deslocava, como se nada tivesse sido, com aqueles olhos claros inacreditáveis.

Um rasto de luz que se foi.

Faz-nos falta, o Zé Pinho. Agradecemos.

Sérgio Godinho – músico

© Daniel Mordzinski

José Pinho foi um guerreiro como poucos. Não só porque se entregou de corpo e alma à cultura, abrindo livrarias nos lugares mais inusitados, reunindo escritores e artistas nos vários eventos que organizava, mas também – e sobretudo – porque o fez com uma alegria imbatível. Se hoje estamos tristes é porque perdemos um dos mais belos sorrisos de Portugal.

Tatiana Salem Levy – escritora brasileira