Espelho Meu Andreia Brites 11 Novembro 2024

Todos viajam
Kristin Roskifte
Lilliput
Tradução de João Reis

Depois do premiado Todos contam, a norueguesa Kristin Roskifte regressa à mesma estrutura com Todos viajam. Página após página, o álbum ilustrado vai somando personagens e situações quotidianas. Poder-se-á considerar que este, tal como o anterior, é um livro jogo. Porque o número de personagens é crescente, começando com zero e terminando com oito mil milhões, o número aproximado da população mundial. Também porque o texto vai dando informações sobre algumas das pessoas que estão naquele lugar, sobre as suas ações, pensamentos, emoções, expectativas. Fá-lo sem nunca identificar a quem se refere. 

Finalmente, nas últimas páginas, propõem-se novos desafios ao leitor: encontrar personagens, símbolos, objetos; identificar situações e relações. 

A estrutura do álbum leva a várias leituras de cada imagem, a partir do texto que a acompanha. Da contagem de personagens à tentativa de encontrar elementos que permitam associá-las às informações textuais, tece-se um efetivo jogo de inferências, de previsões e confirmações, de questões que o leitor coloca, inevitavelmente, à narrativa visual. Quando, no final, novos desafios se apresentam, estes contribuem para novas descobertas, que mais uma vez permitem o aprofundamento da leitura. Tudo se passa em torno da identidade de cada personagem, sendo que umas aparecem mais vezes do que outras, sendo eventualmente mais importantes por isso. Ainda, há acontecimentos para os quais o texto não chama a atenção mas que, mais à frente, se percebe terem tido lugar. O enredo está tão bem montado que o leitor navega nas páginas de diversas formas, avançando e recuando, observando a página toda tentando captar o máximo de detalhes possíveis ou, inversamente percorrendo várias páginas tentando seguir uma só personagem. Pode também ceder à tentação de contar a si mesmo várias histórias. Algumas das perguntas que se colocam problematizam a relação do leitor com a narrativa e expandem a subjetividade de cada um para a sua experiência fora do livro. Finalmente, depois de todos estes desafios, a última página dupla apresenta as principais personagens, justificando lugares e ações. É o momento da confirmação que, por um lado, responde a muitas questões, mas por outro fecha a porta a algumas hipóteses que agradariam ao leitor.

Este livro, tal como o anterior, consegue constituir-se como um roteiro de leitura, uma experiência de meta-leitura, em simultâneo com uma efetiva leitura exigente e concentrada. As ilustrações não têm contorno, destacando a diversidade de cor e formas, garantindo em figuras reduzidas e múltiplas, pormenores que permitem identificá-las. As cores fortes, as formas curvas e a profusão de elementos garantem alegria e movimento ao álbum onde texto e imagem se complementam explicitamente. Para além de promover diversas estratégias de leitura, de alargar o conhecimento sobre lugares, ações e emoções, de espoletar o sentido crítico e a relação com o mundo, este livro também exemplifica o que define um álbum ilustrado. É difícil chegar mais longe.

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