Espelho Meu Andreia Brites 8 Abril 2022

Sábado
Oge Mora
Fábula

A mensagem deste álbum surge em camadas. Quando se conclui a leitura, salta o sentido de transformar a adversidade em experiência feliz. E essa é a ideia que se vai sustentando em cada momento, provocando no leitor uma identificação empática. A estratégia não é nova: a antecipação de um dia perfeito vai-se corroendo a cada contratempo ou acidente que depois acontece. Há um acumular de frustrações que não se sabe como termina, só se sente que um clímax se aproxima.
E, quando acontece, revoluciona a perspetiva: se tudo o que estava planeado não funciona, há que improvisar, reagir respondendo noutra direção.

Mas o que é deveras comovente na narrativa não é esta intenção temática universal e sim a forma como ganha corpo, estrutura e forma. Quando a autora escolhe para protagonistas uma filha e uma mãe e logo apresenta o seu contexto, engrandece-se uma cumplicidade que já resulta da adversidade. Logo nas guardas o leitor apercebe-se de um calendário onde se anotam alguns passeios, o estado do tempo, uma visita de estudo, quem fica com Eva… Mas o mais importante acontece quando se cruzam os desejos a realizar ao sábado com aqueles que já se cumpriram nos sábados do calendário. E logo nas primeiras linhas se apresenta a situação: a mãe de Vera trabalha todos os dias excepto ao sábado, aquele é o dia ritualizado por ambas para estarem juntas.

Na página seguinte enunciam-se as atividades que faziam parte da rotina dos sábados e aquela que acrescentaria a este sábado uma condição especial: um espetáculo de fantoches.

A ilustração vai descrevendo cada momento, desde que Eva se levanta da cama. E em cada um o movimento dos corpos, as expressões faciais, o retrato das ações e reações representam as emoções das duas, do entusiasmo à tristeza, da alegria ao aborrecimento. A cada contrariedade é a mãe que conforta, que se baixa aproximando o seu do rosto da filha, que lhe seca o cabelo, que corre para o autocarro de braços abertos.

Quanto mais se avança, mais o leitor sente a intimidade e a partilha nesta relação. Por isso, quando a mãe percebe, à porta do teatro, que não vão poder assistir ao espetáculo por um lapso seu, o impacto é ainda maior.

Mais uma vez, a ilustração realça-o: agora a mãe perde a força e está dobrada sobre si própria, de costas para a filha.

A filha assume então o papel que tinha até aqui sido da mãe e consola-a, tomando a iniciativa para reagirem à situação.

Por isso, este álbum não é apenas sobre resiliência, é sobre uma vida, uma família. É o particular que serve o universal e não o contrário. Isso reflete-se no texto e sobretudo na ilustração: as colagens que dão forma às personagens e aos lugares tornam-nos singulares, pelas texturas, padrões e cores diversas. A história tem vazios e permite deduções e juízos vários, de acordo com o contexto de cada um. Porém, afirma a força deste profundo afeto maternal e filial e o seu real poder de felicidade. Talvez seja então esta a camada mais valiosa do álbum.

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