Espelho Meu Andreia Brites 10 Janeiro 2024

O Fantasma de Anya
Vera Brosgol
Fábula 
Tradução de Salomé Castro

Distinguida com o Prémio Eisner, esta banda-desenhada acompanha as agruras da protagonista, uma adolescente russa que vive nos E.U.A. e tenta integrar-se na escola que frequenta. De um acidente resulta uma relação bizarra que aparenta ajudar Anya a ultrapassar vários obstáculos. Entre passar despercebida para evitar a troça, ignorar um colega que é frequentemente humilhado, ter dificuldades nas aulas e desejar secretamente um rapaz popular, tudo é difícil. Por isso as suas atitudes nem sempre correspondem aos mais nobres valores. Anya sabe disso e assume que o faz para se integrar. Partimos pois de um lugar desconfortável, em que a empatia com o seu sofrimento obriga a não ignorarmos a violência exercida pela própria comunidade.

Com a aparição de uma figura especial, Anya tem acesso a informações privilegiadas que lhe permitem arriscar ações com mais confiança. E tudo parece ir de vento em popa. Porém, dá-se uma situação que ultrapassa, para Anya, os limites do que considera aceitável e aqui a relação que parecia cúmplice e solidária transforma-se numa perseguição tóxica.

Este é o momento chave da narrativa: até onde cedemos para concretizar o que desejamos?, quais são os limites do que permitimos aos outros?, que valores nos fazem mudar de atitude independentemente das consequências?

O que acontece a seguir é um confronto e uma tentativa de Anya de agir em defesa dos seus princípios.

Sem outro texto excepto as falas das personagens ou as onomatopeias sonoras, a narrativa visual e textual garante a densidade da protagonista, dá a conhecer os ambientes espaciais onde circula, permite reconhecer as suas emoções. Assim, pelos ângulos escolhidos nas vinhetas e pelos detalhes que revelam a expressividade das personagens, o leitor implica-se, identifica-se, toma partidos. Ainda, é a organização das pranchas que lhe permite prever acontecimentos ou, inversamente, surpreender-se. A vida desta adolescente traz na bagagem, para além das questões de sociabilização associadas à idade, a identidade estrangeira e a assimilação acelerada. Os conflitos de Anya tornam-se evidentes perante a mãe e Dima, com quem acaba por ter uma conversa decisiva.

Grande parte da leitura da obra depende da imagem. O texto esclarece e faz progredir. Mas é do diálogo entre ambos que resulta a sua coesão e densidade. Como dever ser numa banda-desenhada.

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