Livros para lembrar e cumprir abril
Aniversários redondos são motivo de festa mais rija, mas também oportunidades para investimentos bibliográficos que contribuam para registas a memória colectiva e documentar a passagem do tempo sem esquecer o que realmente importa. Nestes 50 anos do 25 de Abril de 1974, vários são os livros que chegam aos escaparates à boleia da festa – que foi bonita, pá, ainda que haja quem queira murchá-la. Entre registos documentais, reedições, testemunhos, reflexões e recriações, aqui fica uma mão cheia de sugestões para comemorar a Revolução dos Cravos entre páginas.
Noticiar a Liberdade
Vários Autores (coord. Rui Cardoso)
Imprensa Nacional/Casa da Moeda
Sem jornalismo não há democracia. Parece uma frase batida, mas a História confirma a sua precisão, independentemente da geografia e do tempo cronológico. Antes do 25 de Abril de 1974, com a imprensa censurada, essa frase era plena de sentido, mas depois da revolução, abolida a censura, confirmou que esse sentido nunca se perde. Noticiar a Liberdade, uma parceria entre a Imprensa Nacional/Casa da Moeda e o Clube de Jornalistas, reúne testemunhos de duas dezenas de jornalistas que acompanharam esse dia que mudou tudo, acompanhando igualmente os tempos seguintes. Dos acontecimentos no Terreiro do Paço e no Largo do Carmo à libertação dos presos políticos detidos em Caxias, passando pelas muitas ruas onde se celebrava a queda do regime, por lugares distantes onde chegaram os ecos da revolução e pelas diferentes redacções e emissoras que foram acompanhando os momentos diários durante e depois do 25 de Abril, este livro é um registo histórico, um testemunho colectivo e um marco assinalável que confirma que as frases batidas podem, às vezes, ser as mais certeiras máximas que nos guiam os dias.
Tarrafal
João Pina
Tinta da China
Tarrafal cruza as memórias e experiências de iii gerações. A partir de uma caixa com fotografias feitas pelos seus bisavós em duas viagens ao campo de concentração – onde esteve preso o seu filho Guilherme da Costa Carvalho, avó de João Pina, detido em 1948 enquanto transportava materiais do Partido Comunista Português – o fotógrafo cria um livro que é uma memória a muitas vozes sobre um dos locais malditos do Estado Novo. As vozes são individuais, e incluem estas fotografias antigas, outras feitas por João Pina na actualidade, retratos de presos políticos que passaram pelo campo e um conjunto de cartas que escritas pelo fotógrafo em resposta a outras cartas trocadas entre o seu avô e o seu bisavô. Apesar desta marca pessoal, Tarrafal é claramente uma memória colectiva, um objecto que nos convoca a não esquecer essa herança tenebrosa das prisões do Estado Novo, do colonialismo, da opressão.
Cravo
Maria Velho da Costa
Assírio & Alvim
Publicado depois da Revolução dos Cravos, em 1976, Cravo reúne mais de uma vintena de textos com características muito diversas, todos contribuindo para uma reflexão sobre o que o 25 de Abril trouxe a Portugal. Crónicas, poemas, ensaios, textos breves, cada um destes escritos carrega a marca burilada da escrita de Maria Velho da Costa, nome maior da literatura portuguesa, mas carrega igualmente o desafio de pensar, de modo inteiro e sem subterfúgios, sobre a mudança, os rumos possíveis para o futuro, a necessidade de contrariar o que, entre hábitos e conservadorismos, não desapareceu no dia 25 de Abril. De regresso às livrarias, Cravo continua a provocar pensamento e isso faz dele um livro intemporal.
A Revolução antes da Revolução – O ano que mudou a música popular portuguesa
Luís de Freitas Branco
Livros Zigurate
Antes das duas canções que ditaram a senha para o 25 de Abril, muitas outras foram mudando pensamentos. Para Luís de Freitas Branco, autor desta investigação que cruza dados discográficos, informações sobre concertos e emissões e contexto histórico, social e político, 1971 foi o ano do “golpe musical”, aquele em que vários discos (de Sérgio Godinho a José Mário Branco, passando por Amália Rodrigues, Tonicha ou Duo Ouro Negro) chegaram às lojas e às rádios e se tornaram símbolo ou sinal de algo que se movia, ali mesmo debaixo das barbas da censura. Nesse mesmo ano, aconteceu o Festival de Vilar de Mouros e o primeiro Cascais Jazz, momentos igualmente centrais neste processo revolucionário-musical em curso ainda o PREC estava para vir. A Revolução antes da Revolução descreve esse ano mítico, três anos antes do grande dia, registando exaustivamente vários dados sobre a música que se fazia, escutava e publicava no Portugal de então e cruzando esses dados de modo a traçar um quadro amplo e revelador do que estaria para vir. Depois vieram “E depois do Adeus” e “Grândola, Vila Morena” pelas antenas da rádio e o resto, já se sabe, foi uma catadupa de mudanças a caminho da liberdade.
No Princípio Era o Verbo
Manuel S. Fonseca e Nuno Saraiva
Guerra & Paz
Manuel S. Fonseca escreve e Nuno Saraiva desenha a recriação da noite de 24 e do dia 25 de Abril de 1974. A dar estrutura a esse relato estão as frases e palavras de ordem que sustentaram a vertigem destes dias de mudança, bem como as imagens, pixagens e outros elementos iconográficos entretanto elevados a símbolo que foram surgindo nas paredes, nas páginas impressas, nas televisões. De “a terra a quem a trabalha” até “as putas ao poder, os filhos já lá estão”, este verbo que se apresenta como princípio terá sido, talvez, o combustível de parte destes dias agitados, mas foi sobretudo o modo de uma expressão colectiva de alegria pelo facto de, agora, cada uma e cada um ter direito à fala. Sem medo, como deve ser.