Espelho Meu Andreia Brites 30 Janeiro 2023

Indomáveis,
Como tomámos conta do mundo
Yuval Noah Harari 
Booksmile
Tradução de Maria Leitão 

Na contracapa do livro sucedem-se perguntas em tom enciclopédico que podem levar o leitor a incorrer num erro de julgamento. O texto do historiador está longe de se constituir como uma coletânea de curiosidades sobre o passado da humanidade.

Com um discurso direto, escorreito e simples Yuval Harari transpõe para uma nova coleção juvenil algumas das ideias que o tornaram um autor best-seller.

Neste primeiro volume, o leitor acompanha a evolução da espécie humana ao longo da pré-história. Porém, ao contrário do resumo linear dos manuais escolares, o texto convida desde logo à reflexão e ao questionamento. Coloca os seres humanos num contexto selvagem, em que as pessoas estão em desvantagem para caçar e comer porque são fisicamente frágeis se comparadas com leões ou hienas a devorarem carcaças de girafas ou antílopes. Harari vai então divulgar uma curiosidade: a dada altura alguma pessoa terá descoberto a medula óssea dos animais mortos, cuja carcaça era abandonada depois de extraída a carne. Esta curiosidade deriva, como vai acontecendo ao longo do tempo, da resposta a uma dificuldade. As pessoas não conseguiam ter acesso à carne porque outros animais a comiam primeiro. Alguém terá depois partido um osso de uma carcaça e descoberto a iguaria que se escondia no seu interior, o que resultou num acréscimo nutritivo à alimentação dos humanos. Podemos até especular que graças a esta descoberta a espécie conseguiu sobreviver num contexto extremamente desfavorável. Não será a única condição mas terá contribuído.

A relação entre este momento e a descoberta do fogo tem em comum a curiosidade, a necessidade e o uso de ferramentas. A criação e aperfeiçoamento constante de ferramentas e da técnica que preside à sua utilização foi um dos principais elementos que evitaram a extinção da espécie humana e sustentaram o seu desenvolvimento. 

O fogo permitiu, por exemplo, que as pessoas se aquecessem, se defendessem de outros animais e cozinhassem. Segundo alguns cientistas, o facto de se cozinharem os alimentos permitiu aos humanos desenvolverem mais o cérebro porque gastavam menos energia a mastigar e digerir os alimentos: o estômago encolheu, o tamanho e a força dos dentes diminuíram e o cérebro cresceu.

A grande revolução chegaria mais tarde e essa sim, é surpreendente. Harari justifica a sobrevivência do Sapiens e a sua transformação na espécie mais perigosa e ameaçadora do planeta com uma capacidade, habilidade, ato quase mágico. Quando o revela ao leitor, não há como não concordar. Ainda se aplica no nosso quotidiano. Continua a revolucionar o mundo e a mover montanhas. 

Neste volume, explica-se como se descobriu a existência de várias espécies humanas que existiram em simultâneo, de como se extinguiram, de como migraram os sapiens por todos os continentes, de como não viviam em grutas e de como o modelo de família é uma incógnita na pré-história. Harari tem o cuidado de alertar para as incertezas, justificar novos factos com evidências científicas e partilhar hipóteses. A história não é neutra e o discurso deste livro tão pouco. Afinal, estes seres poderosos têm demonstrado ser capazes do melhor e do pior, começando pela destruição do planeta e terminando na autodestruição.

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