Editorial 26 Janeiro 2021

Herdeiros
de Saramago

«E agora quero também agradecer aos escritores portugueses e de língua portuguesa, aos do passado e aos de agora: é por eles que as nossas literaturas existem, eu sou apenas mais um que a eles se veio juntar», disse José Saramago ao receber o Prémio Nobel de Literatura em Estocolmo, em dezembro de 1998. Dias depois a Fundação Círculo de Leitores criou o Prémio Literário José Saramago com o intuito de distinguir obras literárias escritas em português por jovens autores/as. Entregue pela primeira vez em 1999, a cada dois anos, o galardão já reconheceu o talento de 11 escritores e escritoras: Paulo José Miranda, José Luis Peixoto, Adriana Lisboa, Gonçalo M. Tavares, Valter Hugo Mãe, João Tordo, Andréa del Fuego, Ondjaki, Bruno Vieira Amaral, Julián Fuks e Afonso Reis Cabral.

Se já conhecíamos a obra desses galardoados, agora é possível aproximarmo-nos um pouco mais da vida de cada um deles graças à série documental Herdeiros de Saramago, de autoria de Carlos Vaz Marques e realização de Graça Castanheira, exibida na RTP 1 (e disponível na plataforma RTPPlay). Com maestria e bom gosto, a dupla acompanha o dia a dia dos «herdeiros», nos seus ambientes de trabalho, nas suas horas de lazer, no convívio com família e amigos. A história pessoal de cada um dos retratados entrelaça-se de maneira orgânica com as histórias que decidiram contar nos livros, numa atmosfera em que vida e ficção não se separam, sem colocar a literatura num pedestal. Talvez seja esse o maior trunfo desse trabalho de Vaz Marques e Castanheira, não só mapeia boa parte da mais interessante e viva produção literária que está a ser feita hoje em língua portuguesa, como a aproxima do público em geral ao demonstrar que aqueles que escrevem ficção também vão ao mercado, trocam fralda, frequentam bares, andam de bicicleta e até lutam boxe.

Ao ser exibida na televisão pública, em horário nobre, a série Herdeiros de Saramago eleva a literatura a um lugar de prestígio e demonstra que os livros podem (e devem) ser tão populares como o futebol e os programas de entretenimento. Esperamos que Carlos Vaz Marques e Graça Castanheira continuem a usar o talento que têm para retratar escritores e escritoras, de agora e do passado, e dessa forma revelar um pouco mais das literaturas em língua portuguesa.