O que vem à rede Sara Figueiredo Costa 16 Novembro 2021
© Alex Carvalho, CC BY-SA 2.0

Como você é bonito de se ver          
Foi o primeiro bloco afro do Carnaval brasileiro e a sua existência funda-se na luta contra o racismo e na auto-afirmação do povo negro.

Em Novembro de 1974, no bairro do Curuzu, S. Salvador da Bahia, um grupo aguerrido e com vontade de festa criava o Bloco Ilê Aiyê. Não será exagero dizer que, desde então, o Carnaval não mais foi o mesmo no Brasil, porque à festa e à celebração passou a juntar-se a luta, a vontade de criar espaços para que vozes discriminadas e violentadas se fizessem ouvir, a afirmação de um orgulho que se opunha à humilhação e reclamava herança e história, passado e vontade de futuro.

No Alma Preta, jornal digital brasileiro, Dindara Ribeiro conta um pouco dessa história: «Foi dentro do terreiro Ilê Axé Jitolu, comandado pela ialorixá Mãe Hilda, que o bloco deu início à articulação para a emancipação afro-brasileira, especialmente dos povos de santo, entoando vozes no combate à desigualdade racial e à violência contra a população negra. Se nos dias de hoje ser negro continua sendo um desafio, naquele período, só andar com o seu black solto ou manifestar a sua religião africana era sinônimo de repressão. Desafiando os padrões impostos pela sociedade brasileira, no Carnaval de 1975, menos de 100 pessoas se uniram pelas ruas do Centro de Salvador, em um coro para mostrar o valor do negro com a música “Que Bloco é Esse?”. Embalado pelo ijexá, ritmo tradicional das religiões de matriz africana, as canções do Ilê trazem em suas composições um discurso de autoafirmação, amor e de celebração à cultura e tradições dos povos africanos. “Que bloco é esse? Eu quero saber/ É o mundo negro que viemos mostrar pra você/ Somo crioulo doido e somo bem legal/ Temos cabelo duro é só no black power”.»

O  Ilê Aiyê continua a sair à rua todos os anos, por altura do Carnaval, mas continua igualmente a desenvolver um trabalho diário com algumas comunidades de Salvador, valorizando a população negra através do estudo e da formação e mantendo firme a transmissão da história e da cultura que estão na origem do bloco carnavalesco e da maioria da população bahiana (e brasileira, em geral): « Desde a sua fundação, a entidade desenvolve projetos e ações sociais que promovem a inclusão de crianças e adolescentes na arte, educação e cultura, como a Escola de Percussão, Canto e Dança, a Banda Erê, e a Escola Mãe Hilda, voltada para alunos do ensino fundamental e com um currículo que visa disseminar a cultura da população negra e afrodescendente dentro do ambiente escolar. A ação, inclusive, impulsionou a criação da Lei 10.639, que estabelece a inclusão da história e cultura afro-brasileira nas escolas de todo o país.»

O grupo que Caetano Veloso elogiou no seu álbum Cores Nomes, de 1982, naquela mistura de gestos, histórias e amores firmes que vai sendo a sua música, está agora a caminho do meio século de vida. O percurso tem sido de luta – e não é possível prescindir dela – mas a festa não tem faltado nas canções, coreografias e desfiles. E não faltará. Cante, Caetano:

«Ilê aiê, como você é bonito de se ver
Ilê aiê, que beleza mais bonita de se ter
Ilê aiê, sua beleza se transforma em você
Ilê aiê, que maneira mais feliz de viver»

→ almapreta.com