O que vem à rede Sara Figueiredo Costa 21 Novembro 2021
A adaptação de R.U.R. para a televisão © Memorial Karel Čapek / Divulgação

Autómatos como nós?
No centenário da peça R.U.R., do autor checo Karel Čapek, um percurso pela história dos robôs na literatura e a necessária leitura metafórica que deles devemos fazer.

Na revista brasileira Quatro Cinco Um, um texto de Jaroslav Veis assinala os cem anos da criação dos robôs na literatura, destacando as contribuições do autor checo Karel Čapek e do norte-americano Isaac Asimov. O aparecimento de robôs tal como hoje os conhecemos, embora com raízes anteriores em diversa iconografia, é atribuído por Veis a Karel Čapek, na peça R.U.R., escrita no início dos anos 20 do século passado para o Teatro Nacional de Praga: «Seus protagonistas deveriam ser “trabalhadores artificiais” ou “máquinas laborais dotadas de inteligência e de vida”. Quebrando a cabeça com o nome dos personagens, chegou à ideia de chamá-los de Labors (o termo é inspirado na palavra inglesa labors, originada da etimologia latina de labore, que, por sua vez, significa trabalho, labuta, dureza, fadiga e até dor). Todavia, ele não ficou inteiramente satisfeito com a palavra escolhida e compartilhou suas dúvidas com seu irmão mais velho, Josef Čapek, um pintor respeitado, que havia escrito algumas obras junto com Karel. “Chame-os de robôs”, resmungou o pintor segurando um pincel com a boca, enquanto pintava. “E foi assim que aconteceu”, descreveu mais tarde o próprio Karel Čapek (a palavra com a raiz eslava robota tem o mesmo sentido que o termo labor, destacando, porém, fortemente a servidão).» A peça chegou entretanto a Nova Iorque e acabou por tornar-se um sucesso de bilheteira, acompanhando reflexões que começavam a crescer sobre o desenvolvimento da sociedade tecnológica e o equilíbrio entre as suas vantagens ao nível do conforto e os seus perigos.

Anos mais tarde, já na década de 50, Isaac Asimov voltou ao tema dos robôs, entretanto popularizado por várias manifestações artísticas e populares. «Asimov fez história nesse gênero por introduzir dois tópicos temáticos em seus livros: a extensa saga galáctica Fundação e a série de livros sobre robôs, que incluem dezenas de contos, como as coletâneas Eu, robô, de 1950, e as novelas As cavernas de aço (de 1953; no Brasil foi publicado pela primeira vez com o título Caça aos robôs), O sol desvelado (de 1956; publicado no Brasil também com o título Os robôs), Os robôs do amanhecer (1983; também sob o título Os robôs da alvorada) e Os robôs e o império (1985).» O tema atravessou o século XX e ganhou, neste novo século de todas as automatizações, uma nova importância. Como escreve Jaroslav Veis, «com a visão retrospectiva de cem anos, novas interpretações da metáfora de Čapek estão surgindo. Visto com os olhos de hoje, Rossum’s Universal Robots Company pode ser interpretada como uma corporação global biotecnológica, e comparável, quanto aos valores ativos líquidos, à potência inovadora e à interferência nos assuntos globais como Google, Apple e Tesla. O papel da heroína humana Helena Glory, essencial na trama, é o paradigma do ativismo contemporâneo em prol dos direitos universais humanos das ONGs. Os robôs, como produtos criados pelos homens, aniquilam seus criadores da mesma forma como muitas das nossas invenções humanas atuais e tantos outros produtos concebidos pelo ser humano estão aptos a destruir até mesmo o planeta inteiro.»

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