Um Bibliotecário Sobre Rodas
José Diniz foi um dos muitos bibliotecários do programa das Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian, que garantiu o acesso ao livro num país que tinha, então, elevadas taxas de iliteracia.
O jornal digital Médio Tejo noticia a morte de um homem que dedicou parte da vida a levar livros ao encontro dos seus leitores. José Joaquim Cesar da Cruz Diniz foi responsável por uma das Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian ao longo de três décadas, levando livros aos leitores que por eles esperavam nas mais diversas localidades. Nascido em Abrantes, fez carreira como dentista, mas foi ao volante de uma das carrinhas que levavam e traziam livros aos leitores de todo o país que se tornou conhecido na região.
No artigo de Patrícia Fonseca, ficamos a conhecer esse percurso: «A sua carrinha Citroën tinha o número 32 e ficou gravada na memória de várias gerações de Abrantes, Sardoal, Mação, Vila de Rei, Ponte de Sor e Gavião, que começou a visitar a partir de 1963. O percurso que fazia todos os meses por vários concelhos da região era decorado pelos miúdos e ansiado de igual forma pelos mais velhos. Quando a carrinha da Gulbenkian estacionava tinha sempre já uma fila de gente à espera. Era o mundo que chegava sobre rodas, sobretudo nos anos 60, 70 e 80, quando a televisão só tinha dois canais, a oferta cultural era escassa e os livros um bem raro na maioria das casas portuguesas.»
O artigo que homenageia a memória de José Diniz é também um registo da importância que o programa das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian assumiu para várias gerações de leitores, espalhados pelos vários territórios de um país que, à data da criação do programa (1958), tinha uma elevada taxa de iliteracia e muito pouca gente com hábitos de leitura.
Um dos utentes habituais da Biblioteca Itinerante conduzida por José Diniz era José Luís Peixoto, que explica ao Médio Tejo quão importante foi esta biblioteca no seu percurso: «José Luís Peixoto foi um dos seus fiéis “clientes” quando aprendia as primeiras letras no concelho de Ponte de Sor, onde nasceu. “Uma vez por mês, ao fim da tarde, a carrinha Citroën chegava ao terreiro de Galveias, calhava-nos as quartas-feiras. Ficava estacionada em frente da cooperativa. Depois do 25 de Abril, o clube dos ricos passou a sede da cooperativa. Quando eu chegava, vindo dos lados do São João, já havia outros rapazes e raparigas à volta da carrinha”, recordou num artigo publicado na revista Visão, em 2014. “Impressionava-me a quantidade de livros. Precisava de me esticar para chegar às prateleiras mais altas e, por isso, parecia-me que não tinham fim. O senhor Dinis conduzia a carrinha, recebia os papéis preenchidos com os códigos dos livros que requisitávamos. Levávamos sempre a quantidade máxima de livros. Líamos muito depressa os que tínhamos e, depois, íamos trocando entre nós até ao regresso da biblioteca no mês seguinte.”»
O programa das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian chegou ao fim em 2002, numa altura em que a rede de bibliotecas públicas e municipais em Portugal era já uma realidade, ao contrário do que acontecia em 1958. A sua herança, tantas vezes inseparável de pessoas como José Diniz, ainda hoje se faz sentir.