Haja paciência
Gonçalo Viana
Orfeu Negro
Esta é a história de um homem que vive dentro de um livro e que se cansou de contar histórias. Deve ser aqui que o leitor chega, ao mesmo tempo que se diverte com a imagem caricatural de um senhor baixo, dinâmico e excêntrico.
Enquanto se dirige ao leitor que supostamente espreita para dentro de sua casa (o livro) pelo buraco da fechadura, esta figura vai dissertando sobre a sua vida e desvendando espaços domésticos tão surpreendentes quanto o país das Maravilhas.
É através da ilustração marcadamente geométrica, imagem tão definida de Gonçalo Viana, com intersecções de objetos e padrões, que o leitor deve encontrar a fantasia que o texto sugere. Efetivamente é ali que chovem fios de balões ou peixes nadam em torno da cama do protagonista. A ilustração contextualiza um universo não realista, dá-lhe humor, atribui-lhe pormenores extraordinários, como o da rua erigida no lombo de um gato ou o da argamassa da casa vizinha ser composta por doce e não por cimento.
Quando se vive dentro de um livro tem-se vizinhos inusitados, como bruxas más ou mais ou menos. E pode acontecer que as personagens que encarnamos sejam conhecidas de todos: Pinóquio, Cinderela, Branca de Neve, Capuchinho Vermelho.
Porém, por muito que se reforce o pacto ficcional, falta ao texto o equilíbrio necessário entre o dito e o não dito para que a sua intenção se cumpra plenamente.
O homem que se recusa a contar histórias está cansado de o fazer. Já contou muitas e repetidas. Queria viver num dicionário, lugar pacato, a seu ver, mas enganou-se. Estas duas informações provocam ruído: o homem mudou de livro, ou seja, de casa? E quando contava histórias e tinha de ser todas as personagens que refere, essas histórias estavam todas no livro onde vivia? E se pode viver num livro e não contar histórias, que casa é a sua?
Se o vazio do texto deve complementar-se com informações explícitas e implícitas, e que podem chegar através da ilustração, o facto é que neste caso o texto dá saltos demasiado grandes para que se deduza ou consiga inferir uma narrativa coerente.
A ilustração vibra, surpreende, eleva a narrativa, remete para referências diversas e universos que variam, como sempre acontece, de acordo com as experiências de cada leitor. Já o texto desequilibra a disposição narrativa, por tentar, em simultâneo, não dizer demais e ainda acrescentar humor. Apesar de o nonsense levar o referente para um lugar mais distante do que o humor mais literal, a narrativa a partir do qual se concebe está muito bem arquitetada, conseguindo até níveis de causalidade surpreendentes. Este álbum, pela intenção de problematizar a narração, podia seguir essa abordagem, não fora essa incompletude textual.