O quiosque
Anete Melece
Orfeu Negro
A antecipação de uma história traz consigo surpresas e desilusões. O paratexto incita a suposições que também dependem da subjetividade do leitor.
O quiosque tem, para a leitora em questão, um mistério: o que existe lá dentro? É como um lugar encantado, uma mini gruta de Ali Babá que nunca se revela ao transeunte: haverá uma cadeira com uma almofada, um rádio, uma resistência para aquecer água e comida, um aquecedor, uma manta para os joelhos nos dias frios? Como se vive ali dentro? Adiante.
Logo nas guardas iniciais revela-se o interior do quiosque onde Olga, a vendedora, lê uma revista de viagens sentada num cadeirão enquanto degusta umas bolachas de chocolate.
Na capa, a janela do quiosque permite ver Olga no interior. Já nas guardas, quando se revela o interior do quiosque, o recorte da janela permite ver o que o leitor quiser. Temos as duas perspectivas: de fora para dentro e de dentro para fora. Este detalhe revelar-se-á significativo no desenrolar da ação mas para já é só espanto e vontade de imaginar aquele quotidiano paradoxal: por um lado reduzido a um espaço exíguo, por outro desfrutando de um lugar único. Mais uma vez, é a subjetividade leitora a falar, ou a imaginar.
A narrativa vai acompanhando Olga na sua rotina, sobretudo na relação de proximidade com os fregueses que bem conhece. Mas acrescenta a esta paz exterior uma melancolia intimista: Olga sonha ver o por do sol na praia e, embora não seja afirmado categoricamente, o leitor percebe que tal sonho é difícil de concretizar.
Agora já não se trata de espaços secretos ou imaginários maravilhosos, trata-se de uma vida definida e imutável. Porém, acidentes acontecem e é muitas vezes do inesperado que surgem mudanças libertadoras. Assim se passa com Olga quando percebe que não é o quiosque que a limita, é ela que o conduz para onde quiser.
A narrativa ultrapassa largamente a sua antecipação e a magia do quiosque vai além de tudo o que alberga. A expressividade da ilustração, sem linhas de contorno, provoca um efeito de desordem, de movimento e até de humor pelos detalhes que acrescenta a cada quadro. Nos momentos de progressão as ilustrações de página completa dão lugar a vinhetas que cumprem a função com ritmo e múltiplas perspectivas.
Movimento e emoção garantem que a narrativa visual traz densidade à narrativa textual, configurando este álbum como um exemplo de interdependência imagem-texto, ao serviço de uma apologia do sonho.