Era uma vez (e muitas outras serão)
Johanna Schaible
Planeta Tangerina
Tradução de Isabel Minhós Martins e Mariana Vale
O tempo é tema caro a alguns álbuns do Planeta Tangerina. De Um Livro para todos os dias, passando por O Mundo num segundo até Com o tempo, todos são disso exemplo claro.
Mas a passagem do tempo, que se mede com objetividade de acordo com regras criadas e universalmente aceites, é alvo de uma percepção individual e subjectiva muito mais rica. Memória, expectativa, instante ou duração são conceitos que vertem narrativas e emoções singulares e dinâmicas.
Era uma vez explora essa condição tripla – passado, presente e futuro – recorrendo não apenas ao texto e à ilustração mas também à materialidade do objeto. Seguindo uma lógica cronológica, o marco temporal caminha do facto para a hipótese e o desejo. Justamente a meio, no centro do livro e, constantemente, no centro do nosso tempo, o fugaz, quase imperceptível instante que assinala aquilo que se designa como presente.
As páginas do álbum valorizam esse movimento que se estreita e se expande na dimensão das páginas. Apesar de as ilustrações se assumirem sempre como panorâmicas (o protagonista é o leitor), a área das páginas diminui. Chegados ao núcleo central, o da estrela cadente que marca o tempo presente, destacado no texto pelo advérbio agora e pelo modo imperativo, a pequena área permite ao leitor visualizar um conjunto de molduras de cor distinta. Representam o que já passou e o que está para vir.
Depois, as páginas voltam a ganhar dimensão exatamente na mesma proporção. A partir de aqui, para além das formas verbais, simples ou compostas, se apresentarem no futuro em sintonia com os complementos oblíquos com valor de tempo, também a intenção discursiva se altera. O modo declarativo, escolhido para enunciar factos do tempo histórico e biográfico, é substituído por frases interrogativas que interpelam o leitor a criar suposições sobre o futuro, do dia seguinte à velhice.
Interessante e reveladora é igualmente a ideia de ciclo, que também se explora na ilustração a par com a leitura do objeto. As pirâmides egípcias, que ilustram as grandes civilizações com milhares de anos, regressam para representar um hipotético momento memorável no futuro do leitor. E não é por acaso que as duas últimas perguntas do álbum remetem para este diálogo entre memória e expectativa.
A universalidade do texto e da ilustração promovem uma leitura reflexiva e questionadora sem correr qualquer risco de se tornar superficial ou banal. A delicadeza do objeto, a paleta de cores tão ampla e a assertividade do pouco texto dão a este livro equilíbrio e coerência temática e estética.