Saramaguiana
por Pilar del Río 1 Setembro 2021
@ Fernando Calvo / Moncloa
No dia 11 de Agosto, na Casa José Saramago, em Lanzarote, várias autoridades de Espanha, entre elas o atual e o ex-presidente do Governo de Espanha, Pedro Sánchez e José Luis Rodríguez Zapatero, participaram numa homenagem a José Saramago de lançamento das comemorações do centenário do autor. Durante a sessão, a presidenta da Fundação José Saramago, Pilar del Río, leu um discurso em defesa da cultura. Nesta edição, a Blimunda recupera as palavras ditas pela companheira de Saramago durante o ato.   

A cultura salvou-nos

Presidente do Governo de Espanha, Pedro Sánchez,

Presidente do Governo das Canárias, Ángel Víctor Torres,

Presidenta do Governo de Lanzarote, Loli Corujo,

Presidente da Câmara de Tías, José Juan Cruz,

Presidente Zapatero,

Ministra da Saúde, Carolina Daria

Conselheira de Educação, Manuela Armas,

Vice Conselheiro de Cultura, Juan Márquez

Amigas e amigos, queridas e queridos colegas:

Obrigada:

Estar aqui hoje é um ato de militância da cultura que me emociona e que, emocionada, agradeço. Conheço o esforço que foi feito, por quê, para quê, para quem. Dizia José Saramago que se pararmos para pensar nas coisas pequenas acabaremos a compreender as grandes. Entendamos o valor deste ato…

Nos duros dias do confinamento, a cultura salvou-nos: vivíamos atentos às televisões que nos informavam e nos davam algum alívio, programas especiais, séries que tornavam mais suportável o temor quotidiano. Ouvimos música, lemos livros, visitámos virtualmente exposições, vimos filmes. A cultura, repito, salvou-nos das sombras iniciais e, no entanto, a cultura, sabemo-lo agora, tem problemas para se manter, como se ao sair do túnel já não necessitássemos do concerto, do livro ou do filme que nos maravilha, é como se a cultura já não fosse um bem essencial, como a saúde, os cuidados e o pão nosso de cada dia.

Por isso, agradeço este ato com toda a minha alma, querido Presidente, queridas amigas e amigos: sei que quem aqui está decidiu celebrar o Centenário do contemporâneo que é José Saramago como um reconhecimento da cultura nas nossas vidas, que são vidas humanas, quer dizer, grandes, plurais, únicas, compatíveis, dialogantes, preciosas. Assim, haverá concertos com todas as músicas, recitais de poesia, teatro, conferências, exposições, espetáculos grandes e outros intimistas, falaremos uns com os outros, voaremos com as melhores ideias e descobriremos que temos sonhos, que não somos indiferentes nem estamos rendidos. Nem nos deixámos vencer, nem pelo vírus nem pelo sistema.

Estas celebrações terão lugar em Lanzarote, que é jangada de pedra de onde se vai para outras ilhas e outros continentes. Lanzarote é também lugar de chegada, como hoje se vê de forma evidente e se verá ao longo do Centenário. Que felizes seremos a receber e a partilhar com maiúscula…

Na vida de José Saramago sempre houve a intuição da ilha. Quando escreveu A Jangada de Pedra e nos pôs a navegar, a espanhóis e a portugueses como novos quixotes até à América, não sabia que ia viver em Lanzarote. No entanto, soube que chegava a casa quando aqui pôs os pés. A ilha em José Saramago era pulsão poética, também possibilidade de futuro. Vou ler-vos um poema que escreveu muitos anos antes de saber que viria para Lanzarote. Faz parte do livro Provavelmente alegria e intitula-se “Na ilha por vezes habitada”. Dir-me-ão se a ilha, esta, Lanzarote, não era uma intuição com que vinha vivendo o nosso autor:  

A ilha por vezes habitada do que somos, há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra em nós uma grande serenidade, e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

Pilar del Río (tradução de Rosário Prata)

@ Fernando Calvo / Moncloa