Viajar é outro modo de estar
Os números falam por si. Em Portugal a cada semestre há um novo recorde relacionado com o Turismo: mais visitantes, mais receita gerada, mais empreendimentos voltados para o setor. E tal como noutros pontos geográficos, as cidades de Lisboa e do Porto têm se transformado rapidamente em função da demanda provocada pelos milhões de visitantes anuais. E se durante muito tempo não se discutia o impacto provocado pelo turismo, optando-se por enaltecer apenas o seu benefício para a economia, esquecendo ou ocultando os riscos que se correm ao centrar numa única área o papel de sustento da actividade económica, hoje, e também como noutros locais, há uma crescente insatisfação dos habitantes com o impacto causado pelo turismo.
Lanzarote, a ilha que José Saramago escolheu para ser sua casa, tem como principal fonte de ingressos o Turismo. Como se há de fazer entender aos responsáveis de todos os meios ambientes do mundo que os turistas são exatamente como as abelhas? Tal como elas, produzem riqueza, mas, tal como elas, agridem. Tal como elas, devem ser protegidos, mas, tal como delas, temos também nós de proteger-nos…, escreveu Saramago nos seus “Cadernos de Lanzarote” em 1996. O escritor manifestava a sua preocupação em relação à degradação que o excesso de turistas provocava na paisagem local. Passados quase 30 anos, debate-se hoje a necessidade de a ilha ser declarada “zona turisticamente saturada” e de se colocar em marcha um plano para mitigar os danos (ambientais e sociais) causados por tantos visitantes.
Em Lisboa, cidade que se vê tomada pelo turismo, e que alberga a sede da FJS, o impacto do turismo é sentido diariamente, com o surgimento de uma “nova” cidade ao contrário daquela que José Saramago defendia no seu texto “Palavras para uma cidade”: Basta que Lisboa seja simplesmente o que deve ser: culta, moderna, limpa, organizada – sem perder nada da sua alma. Os custos desta transformação sentem-se no dia a dia, na habitação ou na restauração, áreas fundamentais para que a cidade possa ser vivida e não apenas visitada. E também no volume de veículos que percorrem as suas ruas, levando a perceber que os planos para retirar veículos da cidade esbarram na descontrolada atribuição de licenças aos que se dedicam ao transporte de turistas. O que está em causa para o futuro da cidade, da de Lisboa e de tantas outras, é a tomada de decisão relativamente ao que se pretende, como acontece por exemplo em Barcelona, que hoje opta por uma linha de acção substancialmente diferente.
As cidades são espaços para viver e para visitar. Optar quase em exclusivo pela segunda destas duas parcelas é condenar o seu futuro.
“Viajar é outra coisa muito diferente de fazer turismo e é sobretudo outro modo de estar”, disse José Saramago numa entrevista em 1995. “A minha viagem não é interior, mas sim uma forma de ver e de sentir. Neste sentido concordo com Pessoa: viajar é também sentir”, completou o escritor.
Boas férias!