Espelho Meu Andreia Brites 8 Novembro 2022

Uma história branca?
Manuela Castro Neves
Maria Remédio 
Caminho

Ao mediador adulto os textos de Manuela Castro Mendes revelam múltiplas intenções que vão do literário ao didático.

O uso de refrões que orientam a sucessão enumerativa da narrativa, os efeitos rimáticos que alimentam uma cadência tradicional também são referentes para a exploração de diferentes estruturas sintáticas e alargamento de vocabulário através da leitura autónoma ou do ouvir ler. O humor que desarma edifícios lógicos com propostas surpreendentes que piscam o olho ao absurdo convoca os leitores a relacionar o textual com o conhecimento prévio, o explícito com o implícito, o óbvio com o insólito em novos processos de associação. Porém, o que Manuela Castro Neves consegue com segurança é propor ao leitor infantil que se aventure para fora de pé porque o próprio texto o vai manter à superfície, em segurança.

Nesta narrativa não é diferente. O desejo de uma história querer ser branca é levado a um tal extremo de perfeccionismo que nenhum elemento branco serve como personagem, seja um ovo, um queijo, um boneco de neve, uma raposa do ártico, um rapaz ou uma simpática avó. Várias associações são possíveis, quer apenas através das justificações da história para a rejeição das personagens voluntárias, quer em relação com outros contextos quotidianos de brincar que muitas vezes resultam em conflitos entre crianças (e não só).  A obsessão da história leva-a ao fracasso e a ficar sozinha.

Só que a narrativa não acaba aqui. Depois da revelação do negativo, vemos o positivo. E os leitores, independentemente das idades, estão sujeitos ao espanto. Todas as personagens renegadas encontram lugares e funções em prol de uma missão maior. A moral consolida-se num tom que se aproxima de uma escrita coletiva, pela estrutura aditiva, pela preponderância do diálogo, pelas repetições que dão motes a novo episódio.

O texto faz-se acompanhar pelas figuras recortadas de Maria Remédio, a que se juntam formas geométricas simples e uma paleta que põe em diálogo a cor com o branco. 
A coerência faz-se notar pelo lúdico e pela simplicidade das propostas que dialogam com os seus leitores ideais. Por muito que o leitor e mediador adulto apreenda as várias camadas do livro ilustrado, o grande mistério está nas apropriações dos leitores infantis, que serão múltiplas e interditas ao nosso olhar distante. Para nós, conta a experiência, as leituras e a memória, para eles conta o seu presente e o seu imaginário.

→ caminho.leya.com