Semana sim, semana sim
Lara Xavier
Cátia Vidinhas
Nuvem de Letras
O tema da separação dos pais tem sido, até à data, pouco recorrente na edição portuguesa. Semana sim, semana sim tem o mérito de o escolher, na perspetiva do quotidiano da criança que vive, alternadamente, com o pai e com a mãe. Porém, a descrição entusiasta dos dois modelos de semana roça a fantasia. Não pelo prazer que a criança demonstra nas atividades que partilha com cada um dos progenitores mas pelo contexto idílico em que vive. Os pais têm imensa disponibilidade, são criativos, a criança pratica diversas atividades físicas, passa tempo de qualidade com a família de ambos os lados, tem acesso a uma alimentação cuidada e variada, em cuja confecção também participa, e ainda assiste ao saudável convívio dos pais que se encontram no parque infantil no momento da troca de casa.
Se é importante que os leitores valorizem as diferentes rotinas e que cada cuidador desenvolva, com a criança, um modelo de intimidade e cumplicidade, talvez o que se apresenta neste livro possa ter um efeito perverso em alguns leitores. A grande maioria das crianças não vive neste contexto, independentemente de ter os pais juntos ou separados. Conseguirão sentir-se representadas?
A estrutura do livro, com duas capas e duas orientações de leitura que se encontram no meio, é simbólica e interessante no sentido de valorizar, por igual, a rotina com cada um dos pais. A solução gráfica para este encontro reside num escorrega que leva a protagonista de um progenitor para o outro, nas duas capas. No centro do livro, é o baloiço que cumpre a função. E poderia fazê-lo, mesmo que não representasse literalmente o texto. As ilustrações de Cátia Vidinhas transportam o leitor para um universo de conforto, alegria e intimidade. Fá-lo-iam igualmente com uma descrição textual menos apologética da perfeição. E provavelmente funcionaria melhor.
Do ponto de vista da economia textual, da organização das ações, do ritmo e da coerência, não há nada a apontar ao texto. Não há excesso de informação, de elementos descritivos ou sequer juízos morais.
A questão mais sensível prende-se com a apresentação do modelo, porque é esse o tema da narrativa. Se a história fosse sobre outro tópico e as duas rotinas existissem em contexto, tudo seria menos perigoso do ponto de vista da recepção leitora porque haveria outros elementos de identificação.
Se se tende a dessacralizar, em muitos álbuns e narrativas infantojuvenis, as figuras cuidadoras, é importante que não se idealizem estes pais, apenas para garantir aos leitores filhos de pais separados que tudo pode correr bem.
A mensagem passaria da mesma forma se a criança relatasse outro tipo de episódios que acontecem com tantas pessoas como despertadores que não tocam, esquecimentos vários (entre lancheiras e autorizações para a escola), pequenas manias (quem se senta onde no sofá…) ou meias que aparecem em gavetas diferentes. São apenas exemplos prosaicos como tantos outros que podem ser intercalados com a cozinha saudável, a natação ou os filmes vistos em conjunto. Neste livro há um momento assim, quando a protagonista refere que o pai adormece sempre, quando vêem filmes ao sábado à tarde, e ela fica com as pipocas só para ela.
Lara Xavier procura um equilíbrio entre o modelo da mãe e o do pai, tenta que nenhum se destaque, ao mesmo tempo que define duas maneiras diferentes de estar. Acresce ainda a mensagem de que, apesar das diferenças, ambos os pais estão comprometidos com os mesmos princípios educativos, como se comprova no momento de leitura à 5a. feira que ocorre nas duas casas.
Não há nada de reprovável nestes pais nem nas suas atitudes, apenas se constata que a intenção de apresentar o tema se sobrepõe à narrativa e, consequentemente, a hipotéticos leitores que não se identificarão totalmente ou pacificamente com este modelo, que a única coisa que terá em comum com eles será o facto de também viverem em duas casas, semana sim, semana sim.