Espelho Meu Andreia Brites 14 Agosto 2023

Se choras como uma fonte
Noemi Vola
Planeta Tangerina

As emoções são tema prolífico na edição. Se regulam e condicionam a existência humana, é uma consequência natural que sejam plasmadas no pensamento e nas diversas expressões artísticas, nomeadamente na escrita. Há abordagens múltiplas, de ficção e não ficção: dramáticas, científicas, esotéricas, optimistas, psicanalíticas, didáticas, moralistas, irónicas… Tendo em conta a recorrência do tema e a dimensão da oferta é comum que muitos livros não acrescentem rasgo ao que já existe. Não é o caso deste álbum ilustrado que recorre ao humor para defender a necessidade de chorar. 

No início, o narrador interpela a minhoca que chora. Tenta que pare de chorar. Reconhecemos os argumentos: os outros vão pensar que está triste, deve esforçar-se para ficar feliz, etc. Já ouvimos palavras parecidas, provavelmente também já as dissemos. O que sentimos perante a situação, se nos rebelamos contra o narrador ou desejamos, tanto quanto ele, que a minhoca pare de chorar, isso é pessoal e intransmissível. O que talvez seja partilhável é a surpresa provocada pela mudança súbita e inesperada de discurso pelo narrador. Quando estamos perfeitamente identificados com a situação, eis que o narrador sugere que existem formas de chorar melhor. É justamente nesta progressão e neste desvio que reside a verdadeira intenção da narrativa.

Ao desviar o foco do sujeito que chora, da sua tristeza e das suas razões para elencar um conjunto de utilidades inusitadas para as lágrimas, a mensagem implícita sai reforçada: é legítimo chorar em qualquer circunstância, não nos devemos sentir inibidos de o fazer e todos devemos aceitar que os outros podem chorar sem os tentarmos condicionar. Noemi Vola toca num ponto muito sensível para a sociedade atual, o da urgência de sermos alegres e felizes e sobretudo de não podermos estar tristes com os outros, como se se tratasse de uma praga, um vírus contagioso que temos de erradicar a qualquer custo.

Fá-lo com acutilância e subtileza qb, cria a distância necessária que o humor permite, não só através das ideias que apresenta no texto como das ilustrações. Minhocas, ervilhas, pedras, golfinhos, nuvens, cobras, todos se prestam ao choro incontrolável e útil, em fontes, a lavar os dentes, a cozinhar, a regar, a apagar incêndios ou a lavar o chão da sala. A paleta de cores, as formas curvas sem contorno, a expressividade dos rostos de todas as personagens animadas realçam uma ingenuidade no traço que o aproxima do imaginário e da expressão plástica das crianças.

Sendo para elas, esta leitura, como acontece com os bons livros, é para todos.

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