RAP: música, literatura, activismo
Uma longa reportagem para conhecer os contornos do rap no Brasil contemporâneo.
No Suplemento Pernambuco, uma reportagem de Carol Coelho percorre os territórios do rap no Brasil, convocando músicos, académicos e activistas para um olhar sobre este fenómeno que cruza a música, a literatura e o activismo: «O rap positivou identidades periféricas, ressignificou a própria ideia de periferia, reconfigurou radicalmente os padrões estéticos, de modo que a MPB deixa de ser o principal modelo de compreensão, avaliação e juízo metodológico. Talvez o rap seja a mudança mais impactante na música brasileira nos últimos 30 anos”, opina o doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor de literatura da Universidade de Pernambuco (UPE), Acauam Oliveira. Seu objeto de estudo do doutorado foi o maior grupo de rap do Brasil, o Racionais MC’s, formado em 1988 por KL Jay, Ice Blue, Edi Rock e Mano Brown. Recentemente, o grupo recebeu o título de doutor honoris causa concedido pela Universidade de Campinas (Unicamp), em São Paulo. Um dos álbuns da banda, Sobrevivendo no inferno (1997), figura na lista de leituras obrigatórias para o vestibular de uma das universidades mais importantes do país.»
Com a palavra no centro do ritmo, o rap sempre se construiu contra o sistema, mesmo quando se transforma em objecto de estudo por parte da academia. E como conta Carol Coelho, o facto de alguns projectos de rap alcançarem um reconhecimento público e de mercado improvável há uns anos não lhe retira o potencial de contestação a um sistema político, social e económico que assenta as suas fundações no racismo e no fosso entre ricos e pobres. «Tema de livros, pesquisas, teses e dissertações dedicadas a esmiuçar o gênero que reflete o cotidiano urbano contemporâneo, o rap se inspira na literatura ao mesmo tempo em que é fonte de inspiração literária, seja oral ou escrita. Essa relação, segundo Acauam, é tensa, assim como é tensionada a relação entre literatura brasileira e literatura afro-brasileira. “Acho que é fundamental não cair no conto do vigário da representação literária como um guarda-chuva democrático onde todas as diferenças acabam convergindo e convivendo tranquilamente. Pensando em rap e literatura canônica é preciso olhar para a cisão. É importante para contrapor essa perspectiva liberal de que a literatura incorpora tudo. Me parece que o rap estaria muito próximo do experimento de linguagem da Carolina de Jesus, que não ocupa o cânone. Ela institui uma outra coisa que vai se tornar cada vez mais forte dentro do paradigma da literatura afro-brasileira”, opina Acauam.»