Espelho Meu Andreia Brites 10 Dezembro 2024

Quarto escuro
Inês Barata Raposo 
Pedro Pousada
Bruaá

Na sua segunda narrativa juvenil, Inês Barata Raposo adentra-se numa situação muito pouco explorada, dentro do tema maior que é a família e a perda.

Quarto escuro é o nome que o narrador, Fiambre Light, dá ao lugar onde o irmão está: um coma induzido. Pouco ou nada se sabe, ao longo da história, sobre as causas que o colocaram deitado na cama de hospital, num quarto da ala pediátrica, apesar dos seus dezasseis anos. Apenas que teve um acidente, no qual estiveram envolvidos um carro e uma mota. 

O narrador, irmão mais novo, decide então escrever cartas ao doente, nas quais não só o põe a par de alguns momentos do quotidiano da família como tece diversas considerações sobre si próprio, sobre as emoções próprias e dos outros, e ainda sobre factos e memórias. 

A narrativa acompanha assim o drama da família Morais Normais através dos escritos de Fiambre Light.

Os nomes próprios criativos são uma das características da escrita da autora, a par de um fluxo de ideias e ações que são descritas através de um olhar comprometido. O pensamento do narrador é vertido para as cartas numa lógica que vai associando juízos, descrições subjectivas, comentários irónicos a situações concretas. O discurso oralizante, embora cuidado, contribui para um ritmo que promove o monólogo interior de forma aparentemente simples.

Por si só, a situação é extremamente violenta e dolorosa, mas as inquietações deste pré-adolescente parecem aliviar a tensão quando, efetivamente, se tocam em muitos pontos delicados: o lugar de cada um dos filhos no agregado familiar, a sensação de se ser excluído do sofrimento dos pais, a necessidade de contribuir para melhorar a condição do irmão e o estado de espírito dos pais, a presença imposta da avó, a auto-imagem e, muito, o medo da perda.

Os capítulos, com títulos repetitivos, replicam o tempo que passa sem que nada aconteça. Num primeiro momento, que atravessa metade da narrativa, Pato Bravo está em coma. O segundo momento acompanha à espera ansiosa desde que lhe é feita uma avaliação e que os médicos o retiram do coma induzido. Agora, todos esperam que reaja. No terceiro momento, Pato Bravo inicia, muito lentamente, a recuperação. 

Quarto escuro é uma novela arriscada no tema, corajosa e coerente com o livro anterior da escritora. O ritmo é semelhante, os recursos linguísticos e o sentido de humor, a família como núcleo de afetos e identidade, a necessidade de se ser visto e compreendido, o psicólogo… Obra vencedora do Prémio Maria Rosa Colaço, na modalidade de literatura juvenil, em 2022, o segundo livro de Inês Barata Raposo confirma a sua identidade enquanto escritora. 

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