O que vem à rede Sara Figueiredo Costa 14 Fevereiro 2022
Ilustração © crisvector + tarsila

Proletários sobre rodas
Sem contratos, protecção social ou salário fixo, os estafetas e entregadores que asseguram o funcionamento das cidades tal como hoje as conhecemos procuram condições de trabalho, abrindo um debate que diz respeito a toda a gente.

No site jornalístico brasileiro Outras Palavras, uma entrevista com o sociólogo Felipe Moda, do Grupo de Pesquisa Classes Sociais e Trabalho (GPCT), ajuda a traçar o perfil do trabalho precário associado às plataformas de entregas no Brasil, deixando antever que outros trabalhos já caminham no mesmo sentido da ausência de responsabilização por parte de entidades patronais que são, agora, empresas de tecnologia sediadas noutro país qualquer, e da fragmentação social e de direitos que procura travar a organização social destes trabalhadores.

A propósito das tentativas de organização e luta de alguns destes trabalhadores no Brasil e noutros países, o sociólogo explica como retaliam as empresas: «Todas elas contam com um robusto setor de relações governamentais, formado por advogados que constantemente fazem lobby nas casas legislativas, visando a não aprovação de projetos de leis que contrariem seus interesses. Ou seja, são empresas que atuam como entes ativos nas transformações das relações trabalhistas existentes, não buscando apenas maneiras de burlar as regras estabelecidas, mas transformá-las. Quando veem seus interesses contrariados, as empresas passam a ameaçar com o fim dos serviços nos países, fazendo com que muitos dos trabalhadores passem a ser contra a regulação dos seus empregos devido ao medo de ficarem desempregados. Vale destacar que, nos últimos anos, a Uber, por exemplo, parou de prestar serviços na Colômbia e em Bruxelas (Bélgica).»

Apesar da aprovação de um projecto de lei, apresentado pelo deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) no contexto da pandemia, assegurar agora algumas garantias a estes trabalhadores que percorrem as cidades de bicicleta, motorizada ou trotineta, as condições de trabalho mantêm-se muito precárias e a situação pandémica agravou-as de modo intenso: Felipe Moda assegura que a pandemia «piorou as condições de trabalho dos entregadores, além de tornar impossível realizar o distanciamento social ou momentos de quarentena, pois os que ficam em suas casas para evitar o contágio pelo vírus acabam sem nenhuma remuneração ao final do mês. Os entregadores também viram sua jornada de trabalho aumentar, sua renda cair e foram obrigados a aumentarem seus custos individuais, já que a empresa não fornecia EPIs, como demonstrou uma pesquisa realizada no âmbito da Remir.» Apesar de tudo, este projecto de lei pode ser considerado como um pequeno avanço na instituição de condições de trabalho dignas para estes trabalhadores e, sobretudo, como um primeiro passo para exigir mais alterações legais: «A garantia de melhores condições de trabalho para os entregadores durante a pandemia é algo essencial», afirma o sociólogo. «E ainda que o projeto não verse sobre os temas centrais que orquestram o funcionamento das empresas do setor – e nem parta do patamar mínimo do reconhecimento da subordinação dos entregadores às empresas –, deve ser compreendido como um primeiro passo, que pode gerar um debate público em torno da agenda da regulação do trabalho plataformizado. Deve ser comemorado, em especial por ter sido realizado em um período marcado pela retirada de direitos e de garantias sobre o trabalho. Mas, agora é necessário seguir avançando neste debate: pressionar o Congresso Nacional para aprovar leis que reconheçam a relação hierárquica existente nessa relação de trabalho, garantir os direitos trabalhistas previstos em nossa Constituição e regular outras áreas em que a plataformização do trabalho vem avançando.»

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