Espelho Meu Andreia Brites 24 Janeiro 2022

Pardalita 
Joana Estrela
Planeta Tangerina

A primeira nota, ainda que prévia, é sobre o efeito que a leitura de Pardalita teve nesta adulta que, apesar de partir para o livro com uma missão crítica, logo a abandonou para nele imergir.

Tal observação nada mais representa do que uma subjetividade, mas também é dela, ou é sobretudo dela, que se tecem leituras, perspectivas e análises.

Se assim não fosse, o contexto em nada pesaria. Em consequência, nenhuma associação se traçaria entre o tom de Raquel, a adolescente protagonista e narradora, e o de Teresa Tristeza, moça valente na sua condição existencial. Há que notar que Teresa também nasce algures na pena de Joana Estrela, e ganha voz com as suas ilustrações e com o texto de Ana Pessoa. Esse poderoso diário gráfico, Aqui é um bom lugar, igualmente editado pelo Planeta Tangerina, acompanha alguém mais maduro, com um olhar mais amplo e problematizador sobre o mundo. Porém, Raquel carrega uma intensidade semelhante que se manifesta na relevância do risível, tanto quanto numa ironia emocional: “Pardalita, Tentei sentar-me o mais longe possível de ti. Mas como estávamos em roda, o mais longe de ti era exatamente à tua frente. Não foi o melhor plano.” E na página só vemos meia roda, com Pardalita ao fundo, de frente para nós, leitores. Vemo-la com os olhos de Raquel, que não aparece na ilustração. 

Nesta história de enamoramento, cada pausa vale tanto como a descrição, a ação, o diálogo, a confissão. Há um tempo para o encanto, para o medo, a angústia, o entusiasmo… Esses ritmos são marcados por ideias que se terminam na página seguinte, por mudanças de ângulo, por grandes planos ou por sequências. A do exercício de movimento no ensaio do grupo de teatro é paradigmático de uma libertação ou exaltação que vai crescendo, que se vai difundindo e contaminando.

Na história de amor de Raquel por Pardalita há pouco ou nada de invulgar. Contudo, o mérito da narrativa reside nas subtilezas que o tornam único por um lado, e profundamente empático por outro. Da timidez do olhar às circunstâncias que as aproximam, da consciência do sentimento à aceitação, da proteção dos amigos ao tempo dedicado à rapariga de quem gosta, tudo é partilhado com uma transparência quase desconcertante. A protagonista é tão sincera quanto os seus silêncios e hesitações. Não por ser necessariamente temerária mas sim porque elas simplesmente existem e não podem ser substituídas por palavras que as descrevam.

Sem conceder um milímetro à previsível superficialidade, Joana Estrela nunca claudica e assim leva o leitor até à bela e poética cena final.