O que devemos a quem traduz
Fugir dos lugares-comuns sobre a tradução e dos preconceitos que a associam à traição linguística para compreender a real importância de um ofício sem o qual o mundo seria um lugar impossível
Falamos pouco de tradutores e tradução, mesmo no campo da edição literária, precisamente aquele em que não podemos esquecer este importantíssimo ofício, sem o qual não teríamos como aceder ao trabalho de tantos escritores cuja língua original de escrita não dominamos, ou conhecemos mal. Na revista digital Almanaque, a tradutora Alda Rodrigues reflecte sobre algumas questões associadas à profissão de tradutora. Não é o único tema das suas crónicas, intituladas «Simpatia Inacabada», mas é um tema tratado com profundo conhecimento e de um modo que convida à reflexão, não apenas entre pares.
Já na crónica da edição de Fevereiro a tradutora tinha trazido à liça a questão da omissão do nome dos tradutores das obras que vão chegando às livrarias portuguesas, particularmente em programas televisivos, jornais, revistas e outros espaços de comunicação que falam sobre livros: «Os meios de comunicação que omitem o nome dos tradutores sabem qual é o lugar dos tradutores: são uma categoria que não tem direito ao próprio nome. Ainda não acredito que a tradução automática de literatura seja capaz de superar um tradutor humano, a não ser que as máquinas desenvolvam certas características como individualidade, empatia, sentimentos, dúvidas e alguns mecanismos complexos da interpretação, mas, num universo em que não se faz referência à tradução nem aos tradutores, não será difícil publicar traduções (medíocres ou más) feitas por máquinas. Para quê pagar a um tradutor para fazer um trabalho em que ninguém repara?»
Na edição deste mês, a tradução volta a ser tema, desta vez especificando que a omissão do nome dos tradutores quando se apresentam as obras por si traduzidas não é apanágio da comunicação social, sendo prática frequente também nas páginas de internet das próprias editoras e de várias livrarias. É um desrespeito laboral, claro, mas é também a revelação de um desconhecimento profundo sobre o papel da tradução no processo global de circulação de conhecimento e conteúdos de toda a espécie, entre eles os literários. Em última instância, é um mau servido prestado aos leitores, algo de que teremos de nos lembrar mais vezes, sobretudo em tempos de inteligências artificiais e robots que anunciam futuros automatizados: «A quem interessa que o nome dos tradutores seja rasurado? Quem ganha com isso? Os leitores não ganharão com certeza, tendo em conta que o tradutor é, a seguir ao autor, o elemento mais decisivo para a qualidade do texto que poderão ler. Indicar o nome do tradutor responsabiliza-o pelo seu trabalho, seja este bom ou mau. Quanto mais responsabilizarmos os tradutores pelo trabalho que fazem, mais estes lutarão para assegurar a qualidade dos serviços que prestam.»