O primeiro dia
Henrique Coser Moreira
Planeta Tangerina
Quando o projeto do brasileiro Henrique Coser Moreira foi anunciado vencedor do Prémio Internacional de Serpa/ Planeta Tangerina para álbum ilustrado, o júri chamava a atenção para a pertinência do tema e a sensibilidade da abordagem escolhida. A pandemia de covid 19 marcava forte presença e esta banda-desenhada narrava justamente a redescoberta da liberdade fora de casa.
A associação seria incontornável mas hoje podemos ler este livro sem ter este contexto em mente. E isso reitera a qualidade estética e narrativa da obra.
Sem uma única palavra, esta banda-desenhada silenciosa revela uma menina, entre outras crianças, à janela. Mas antes, como que num prelúdio, a lente parte de cima das nuvens que depois se afastam. A razão para a permanência em casa pode ser climatérica. Ou não. A perspetiva aérea avança em zoom, mostrando casas e árvores para se deter num escorrega e num banco de jardim vazios. A cena muda e aparecem as quatro crianças, cada uma à sua janela. Mais um zoom para nos ser apresentada a protagonista.
A relação interior-exterior fica muito bem definida pela visão da árvore e do campo a perder de vista, por oposição às esquadrias que limitam a criança.
Passado o momento narrativo em que é finalmente possível à menina que saia à rua, tudo se transforma em movimento, exploração sensorial e imaginação.
A liberdade é deixar-se levar pelo vento e voar com os pássaros por companhia, é fazer o pino para observar uma árvore ao contrário, dançar ao som da música de uma cigarra, seguir os movimentos de uma borboleta. É duração, curiosidade, encanto, ação. A descoberta é individual e nem por isso menos preciosa. A menina brinca e reage a todos os estímulos do contexto que a vai rodeando e envolvendo.
No final, o ninho regressa. Com a delicada particularidade de não ser ela quem volta a casa mas o adulto que vai ao seu encontro para a confortar com uma bebida e uma manta com que a cobrirá depois de adormecer.
O domínio narrativo, associado à simplicidade das formas, à contida paleta de cores e à equilibrada disposição dos elementos nas vinhetas consegue levar o efeito sensorial da protagonista ao leitor. É um livro empático, cuja subtileza serve uma relação sem mediação entre a narrativa visual e quem a lê, independentemente da idade.