Espelho Meu Andreia Brites 7 Fevereiro 2023

O meu pai devia ser Bromatólogo
Nazaré de Sousa
Renata Bueno 
Hipopómatos Edições 

A história de um rapaz que come livros remonta pelo menos aos idos do aparecimento de Oliver Jeffers em Portugal, quando a Orfeu Negro edita O Incrível Rapaz que comia livros.

Mas o pressuposto não é exatamente o mesmo. O que esta dupla propõe é um diálogo intertextual a partir de um mote insólito.

Frederico vai provando histórias e dessas experiências resultam interações familiares surpreendentes e equívocos que desconcertam pai, mãe e irmã. O rapaz, de forma científica e analítica, descreve situações e sensações e questiona-se sobre contextos e reações. A narrativa decorre assim em dois níveis, ambos tendo Frederico como narrador: o principal que dá conta da progressão da ação, o segundo que introduz comentários sobre a família. Frederico ingere monstros que não lhe provocam turbulência digestiva, torna-se vegetariano, viaja no mar algures dentro de uma baleia, oferece vassouras a bruxas, diminui de tamanho e aplica todo um manancial de léxico desconhecido à refeição.

O humor é o elemento chave do álbum, que joga com o discurso textual e visual para complementar a informação ao leitor. É da naturalidade da narração do rapaz que parte o efeito cómico mas é o estilo caricatural, de contornos e formas imperfeitas, com texturas várias que completa o seu sentido. As referências a Onde vivem os monstros, Moby Dick ou O dia em que Teodoro encolheu não são obtusas embora não se revelem no texto. Trata-se de um convite ao jogo que se pode prolongar depois de terminada a narrativa, com novas imagens que reportam àquelas e a outras obras da literatura infantojuvenil.

Para além desta intenção clara, há outra leitura complementar e igualmente importante: a valorização das relações familiares assentes na preocupação e atenção dedicada aos outros, na naturalidade dos conflitos quotidianos, no consolo dos gestos e ações, mesmo quando contrárias ao que desejamos.

O que Nazaré de Sousa e Renata Bueno conseguem é criar um objeto despretensioso e nada moralista com dois tópicos que tradicionalmente a isso se vêm prestando na literatura infantojuvenil. E fazem-no com humor. 

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