Editorial 1 Fevereiro 2023

Adeus, Divina Cleo

Assim que a triste notícia da morte de José Saramago começou a circular, no dia 18 de junho de 2010, Cleonice Berardinelli escreveu uma nota que pediu que circulasse pela PUC-RIO, a universidade brasileira onde deu aulas por mais de 40 anos. Dizia o texto:

«Em seu Diário, no dia 3 de dezembro de 1935, escreveu Miguel Torga: “Morreu Fernando Pessoa. Mal acabei de ler a notícia no jornal, fechei a porta do consultório e meti-me pelos montes a cabo. Fui chorar com os pinheiros e com as fragas a morte do nosso maior poeta de hoje…” hoje, agora há pouco, neste dia 18 de junho de 2010, chega-me pelo telefone a notícia de que morreu Saramago. Não tenho pinheiros nem fragas para meter-me entre eles e ir chorar minha profunda tristeza, mas posso, pelo menos, dizer que estou chorando a morte do maior ficcionista de Portugal, um dos meus mais queridos amigos.»

Entre os seus alunos, Cleonice era carinhosamente chamada de «Dona Cleo» e também «Divina Cleo». José Saramago dizia que era a sua irmã mais velha e mais sábia. Berardinelli faleceu no dia 31 de janeiro de 2023, aos 106 anos, e deixa um importante legado no campo dos estudos literários. Uma das principais conhecedoras da obra de Fernando Pessoa, honoris causa pela Universidade de Lisboa, a académica brasileira trabalhou durante mais de meio século na aproximação cultural entre Portugal e Brasil. Professora emérita da PUC-RIO e da UFRJ, membro da Academia Brasileira de Letras, Cleonice lecionou por 70 anos, formou alunos e colecionou amigos e admiradores. Um deles, José Saramago, como atesta Pilar del Río num texto que publicamos na edição da Blimunda deste mês.

Cleonice era «a popstar da literatura portuguesa», como a definiu Júlio Diniz, seu ex-aluno e hoje professor da PUC. A «Divina Cleo» partiu, mas será lembrada sempre como mulher brilhante e divertida, autora de uma extensa obra que a manterá viva por muitos anos.

© Arquivo Fundação José Saramago