Espelho Meu Andreia Brites 12 Dezembro 2022

O Duelo
Inês Viegas Oliveira
Planeta Tangerina

À medida que se acumulam experiências de leitura de álbuns (e não só) muito do que lemos deixa de nos surpreender. Temas, perspectivas, estéticas repetem intenções. Simultaneamente, a atenção ao tempo histórico permite identificar tendências. Na última década alguns editores em Portugal começaram a prestar mais atenção à bibliodiversidade, nomeadamente quando compravam direitos de publicação de títulos estrangeiros. E têm vindo a surgir, aqui e ali, bons exemplos que trazem outras narrativas, outras personagens, valores e experiências pouco ou nada representadas. 

No âmbito do projeto internacional Every Story Matters, dedicado à inclusão e bibliodiversidade através da literatura infantil, Portugal lançou uma candidatura para autores de texto e ilustração que apresentariam um projeto dentro deste tema. A autora selecionada foi acompanhada por uma editora numa lógica de mentoria. O produto chegou há pouco às livrarias e traz uma abordagem fresca e problematizadora à guerra ou, se o preferirmos ler assim, ao conflito.

Nada na narrativa é óbvio, pela economia textual a que está sujeita, pelos saltos diegéticos, pela voz do narrador. A isto acrescem as ilustrações que não cedem a contextualizar o texto e lhe acrescentam dúvidas espacio-temporais.

A partir do título – O duelo – o leitor parte em busca de uma situação, uma causa, um desfecho. Não é que as respostas não existam, mas não se apresentam com transparência, possivelmente porque pouco há de transparente nas motivações para um confronto desta dimensão, com consequências irremediáveis. É justamente essa a questão que o narrador levanta na carta que dirige ao seu adversário mortal. Percebemos, nas primeiras páginas, que o duelo vai começar e os oponentes se afastam para atingirem a distância regulamentar. Rostov ofendera profundamente o narrador. Acontece porém que os passos vão oferecendo novos lugares ao leitor, o duelo tem afinal um exército na sua retaguarda mas logo esta armada se dedica à música e se transforma. Música, dança, artes circenses, teatro, o bulício da cidade, a progressiva aproximação ao campo, até ao momento final em que confirmamos que todo o discurso do narrador é uma missiva. 

A gradação que substitui a violência pela paz caminha a passo com a substituição da urbe pela natureza. Neste álbum, a ilustração sem contorno com a sobreposição de elementos e cores proporciona uma experiência de observação, um retorno e uma lentidão, o que quebra a leitura textual. Todavia, não será essa espécie de confusão mental provocada por estímulos distintos que leva o sentido do álbum para outro patamar simbólico e de subjetividade? A paz pode encontrar-se aí, nesse lugar onde o conflito deixou de fazer sentido, deixou de significar. Para isso é preciso deslocar a perspetiva e a experiência, pormo-nos não apenas no lugar do outro mas num novo lugar.

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