Espelho Meu Andreia Brites 15 Fevereiro 2024

Indomáveis, o mundo é um lugar injusto
Yuval Noah Harari
Booksmile
Tradução de Catarina Gandara 

A partir das ideias principais de Sapiens, Yuval Harari criou uma coleção juvenil organizada por épocas. Depois do paleolítico, surge a grande revolução agrícola como momento transformador da humanidade. 

Sem eufemismos, o autor explicita as consequências nefastas da agricultura para o ser humano e como foi nessa altura que os grandes flagelos que continuam a deflagrar tiveram início: as pandemias, a fome, a guerra. O medo e o poder caminharam a par, entre a necessidade de defender o alimento que garantia a sobrevivência e a crença em rituais que também a garantissem. 

A narrativa explicativa é intercalada por diálogos entre personagens fictícias (entre uma criança recoletora e outra de uma aldeia ou entre dois esqueletos).

Neste volume, o leitor identifica a violência infligida aos animais que as pessoas começaram a domesticar e a criar para se alimentarem, conhece a origem de várias doenças, relaciona conflitos geopolíticos atuais com as guerras entre tribos rivais que lutavam pelos mesmos recursos. E sobretudo pode constatar que a perda de liberdade para uma grande maioria dos seres humanos começou com a revolução agrícola. Tanto quanto uma profunda alteração da noção de tempo: o que se centrava no presente e na necessidade de dar resposta a desafios imediatos transformou-se numa planificação a pensar no futuro, assente em previsões. Porque nem tudo é mau, foram os desafios constantes que a sedentarização colocou que permitiram desenvolver o conhecimento, materializado em raciocínio, técnicas de produção, linguagem e arte.

Yuval avança, em seguida, para a organização dos reinos, designadamente o Egípcio. O poder da organização social permite, por um lado, mais segurança e capacidade para resolver problemas relacionados com a seca ou as cheias, mas por outro promove esforços desiguais. Os impostos e a pobreza estão associados a uma nova visão do que é a propriedade. Se, antes da revolução agrícola, a ideia de ter algo de seu não constituía uma prioridade ou desejo para as pequenas comunidades que circulavam nas florestas, depois desta acontecer as pessoas consideram natural considerar seu um espaço, um animal, ferramentas, frutos, sementes, água. E, como ter alimentos e terras depende de múltiplos fatores, a condição de pobreza institucionaliza-se. Têm início as primeiras ações discriminatórias regulamentadas entre povos: começa a escravatura.

Simultaneamente, inventa-se a escrita e desenvolvem-se os primeiros sistemas burocráticos. Cria-se poesia e funda-se a escola. 

É nas primeiras civilizações que se sustentam os princípios que se desenvolveram ao longo dos últimos milhares de anos. No final do volume o filósofo questiona os leitores sobre tudo o que leram e convida-os a posicionarem-se. Embora seja um livro juvenil, o essencial da informação e a sua problematização vai ao encontro do que lemos no livro para adultos. É um excelente exemplo de como a seleção da informação e a adequação da forma são o que distingue os dois públicos, não o simplismo do pensamento.

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