Inclusão ou censura?
O debate sobre as alterações editoriais aplicadas aos textos de Roald Dahl trouxe para a ribalta várias questões pertinentes sobre acesso, inclusão, apagamento, infantilização e censura, assuntos da máxima importância que merecem discussão atenta.
Na revista brasileira Piauí, a escritora Ana Maria Machado assina uma reflexão sobre a questão das alterações editoriais em livros infantis, discutindo se o que é apresentado como uma forma de aumentar a inclusão não será, ao contrário, um modo de censura. Um excerto, contribuindo para o debate em curso:
«O sistema educacional nunca parece muito confortável com a ideia de que a literatura infantil seja arte, e não apenas um instrumento pedagógico. Nos países com um sistema de bibliotecas públicas desenvolvido e atuante, os profissionais que fazem a chamada leitura sensível para as editoras estão atentos a grupos de militantes políticos. Aqui, o cenário abarca também o sistema escolar. Nos dois casos, o principal canal para que se espalhe a hipersensibilidade não são os espaços de leitura propriamente ditos, mas as redes sociais que permitem falar do que não se conhece e provocam reação imediata e epidérmica a termos descontextualizados. Na quase totalidade desses casos, não se discutem livros nem textos, mas palavras soltas. Daí a enorme dificuldade de termos conversas racionais. Livros podem e devem ser ponto de partida para conversas e debates de ideias. O leitor tem a liberdade e o direito de escolher outro livro, outro autor, outra coleção. De não gostar daquele. De questionar os critérios da escola em que matriculou seu filho. Mas o que esse debate sobre a “limpeza” da obra de Dahl traz à tona é que não se tem o direito de exigir que a biblioteca rasgue ou queime o livro, que a escola mude seus princípios pedagógicos ou que a editora mude um livro já escrito e publicado. Ou de defender o expurgo de textos a pretexto de proteção.
Grande parte das histórias contadas pela literatura – para qualquer idade – aborda conflitos. Muitas vezes os livros tratam de medos, perdas, sofrimento. Lidam com o imaginário. Valem-se de palavras usadas de uma maneira diferente do uso que encontramos todos os dias em situações corriqueiras, pois em um bom texto literário elas podem ter vários sentidos e nos obrigam a pensar e descobrir algo novo. Evitar que os leitores encontrem esses temas e modos de usar a linguagem equivale a limitar sua experiência e apostar no empobrecimento do ato de ler.»