Faz diferença
Jacinto Lucas Pires
Alice Piaggio
Bruaá
Como percepcionamos o mundo? Que pequenas variações alteram os nossos juízos? Neste álbum avistamos situações aos pares acompanhadas por definições ou assunções surpreendentes.
“Se um tipo se põe a marchar, é maluco. / Se vários tipos se põem a marchar, é um exército.”
Entre uma observação arguta da realidade e uma proposta irónica, texto e ilustração propõem um questionamento a pensamentos únicos. Convocam-se definições de vários tipos de organização – geográfica, social, conceptual, sensorial – para as desmontar. São usados recursos que desviam sentidos através de um jogo dialógico. O diálogo funciona entre ações singulares e plurais, entidades individuais e coletivas, presenças e ausências, conceitos aplicados a contextos estritos ou amplos. O que pode parecer uma alteração de pormenor “faz diferença”, tal como o título afirma.
Esse desvio problematizador é também um desvio artístico pelas suas características simbólicas. Essa é outra tomada de posição ideológica do livro: na arte da palavra e da ilustração é possível criar lugares polissémicos, avessos a definições únicas, deterministas ou funcionais. Se podem requerer conhecimento prévio, também abrem caminhos a outras leituras. Sugerem experimentação, despertam curiosidade, semeiam vazios. “Uma lua é um poema. Duas luas, ficção científica.” As cores primárias, o esboço e o contorno, a geometria e a expressividade combinam e alternam consoante as representações visuais. A ilustração também entra nos silogismos, paradoxos, metonímias que compõem o texto e acrescenta camadas de sentido. Isto não significa dificuldade de interpretação e sim sugestão, indução, representação. Tudo é plural neste álbum porque tudo é problematizador: o que significa um rosto velho? Ou a passagem do tempo? Ou ainda um recorde mundial?
Finalmente, o que significam os conceitos com que comunicamos e, em consequência, que valores e juízos lhes estão associados? “Uma multidão com letreiros: política. / Uma pessoa com um letreiro: poesia.”
A aparência experimental do álbum tem uma intenção crítica, poética, irónica, conceptual. O leitor pode concordar, discordar, sentir empatia, surpreender-se, não encontrar nada a que associe uma lógica de sentido. Trata-se de um exercício de liberdade.