Espelho Meu Andreia Brites 14 Abril 2025

Espera por mim
António Mota
Caminho

O regresso de António Mota à literatura juvenil é um momento importante. Depois de um longo interregno, o autor que conquistou reconhecimento e leitores com a sua obra para jovens, arrisca voltar a escrever para este público. 

António Mota é um dos melhores escritores juvenis contemporâneos portugueses, a par de nomes como Alice Vieira, Álvaro Magalhães ou, mais recentemente, Ana Pessoa. O realismo com que trata dos temas sociais e familiares da ruralidade, seja em tempos de ditadura ou no dealbar da democracia, é um contributo único para a representação de um país diverso e assimétrico. A melancolia com que descreve as tragédias quase inevitáveis, as perdas e, a par, a relação tão sensorial com o espaço físico da casa, da aldeia ou dos campos, tem um efeito poderosamente afetivo. 

Portugal tem uma carência profunda de escritores de literatura juvenil, ainda mais de escritores com uma obra vasta, prolongada no tempo e com forte identidade temática e estilística. Por tudo isto, um novo livro juvenil de António Mota é notícia para quem acompanha a literatura juvenil em Portugal.

Espera por mim chega depois de longo interregno e, se o mundo sobre o qual o escritor se debruçava estava em acelerada transformação, o presente parece afastar mais os adolescentes das experiências da ruralidade. Será? Será que estas experiências não são sobretudo sobre medo, solidão, pobreza, perda de inocência, família, amizade ou amor?

António Mota procura uma solução que confira atualidade ao enredo e, ao mesmo tempo, lhe permita regressar aos tópicos que domina e que marcam a sua escrita. A solução é inteligente e funciona, muito mais devido à exploração da ruralidade e de uma anacronia, do que à contextualização no presente, onde a espaços a veracidade do discurso perde um pouco o pé. 

Tudo começa quando Saúl Antonino apanha o comboio na Gare do Oriente, em Lisboa, rumo a Campanhã, no Porto. É a primeira vez que viaja sozinho. Segue acompanhado por recados vários e um lanche que rapidamente se esgota. Durante a viagem, à boleia dos seus pensamentos, o leitor fica a saber que Saúl está de férias e vai, contrariado, visitar a avó, com quem não tem uma relação próxima. É também apresentado aos seus dois amigos, um rapaz e uma rapariga. Na descrição desta relação o texto apresenta-se mais frágil, porque serão poucos os que têm um discurso próximo do de Saúl. 

O mais importante é que acontece algo nesta viagem que vai determinar as rotinas que o rapaz adotará na aldeia. E são essas rotinas que permitem a recuperação da identidade rural da escrita de António Mota. Outro elemento muito marcante na obra do autor, e que aqui se recupera, são as relações interpessoais, sejam familiares ou comunitárias. A sapiência silenciosa da avó, a forma como ajuda o neto a descobrir-se naquele espaço tão diferente do que conhece, a sua relação solidária e muito amistosa com a vizinha, todos estes comportamentos conferem densidade à personagem. Também as informações e ações da mãe de Saúl são pouco lineares. O problema da habitação parece ser lateral à intriga mas o final agridoce recupera-o para o colocar no centro da vida do protagonista. A narrativa alimenta silêncios, vazios que propõem ao leitor que antecipe, infira, e se posicione criticamente. É desafiante, contemplativa, realista e melancólica. E um contributo para a literatura juvenil portuguesa.

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