Escutar quem nunca se escuta
Depois de uma morte às mãos da polícia, ainda por esclarecer nos seus detalhes, e de uma série de contradições sobre o caso alimentadas por intenso ruído mediático, há reflexões sobre violência policial, racismo estrutural e condições de vida precárias que vale a pena guardar para a discussão que, colectivamente, teremos de manter. Uma delas é da autoria de Cláudio Gonçalves.
Os acontecimentos que estiveram na origem da morte de Odair Moniz no passado dia 21 de Outubro estão a ser apurados num inquérito que, espera-se, virá trazer a público conclusões rigorosas, permitindo que se apurem responsabilidades e se tomem as devidas medidas políticas. Certo é que, depois da morte de Odair Moniz pela Polícia de Segurança Pública os bairros à volta de Lisboa registaram uma série de distúrbios. É sobre esses distúrbios, a percepção que algumas narrativas alimentam, a ausência de voz para quem vive na periferia e a violência policial como contacto privilegiado com o Estado que fala Cláudio Gonçalves, modelo e habitante do bairro do Zambujal, num artigo publicado no site Bantumen (e entretanto republicado pelo Expresso). Um excerto: «Fosse por dor e mágoa, para libertar a frustração de uma sociedade oprimida, por solidariedade ou porque queriam fazer parte do acontecimento, vários jovens fizeram o que acharam necessário para mostrar o seu desagrado face ao acontecimento trágico. Não concordo com atos de vandalismo, mas também não concordo com a violência policial e o abuso de poder que sofremos nos bairros sociais. Triste é dizer que os meios de comunicação vieram até nós e tivemos lugar de fala porque caixotes foram incendiados, e não porque um amigo faleceu.»
A fechar, Cláudio Gonçalves diz o que há muito deveria ser óbvio: «Resta dizer que o efeito mimético, gerado em diversas outras áreas de Lisboa, é o resultado de um problema comum, causado pela desumanização, segregação e racismo.»