«Preto, estás na tua terra»
Entrevista com Dino d’Santiago, desconstruindo preconceitos através da música.
Na revista Notícias Magazine, o músico e cantor Dino d’Santiago fala, numa longa entrevista feita pela jornalista Sara Dias Oliveira, sobre a sua música, as raízes cabo-verdianas que se misturam com a infância passada na Quarteira e o racismo estrutural que atravessa a sociedade portuguesa: «Se as pessoas soubessem as várias camadas que há de racismo, da subtileza…que eu próprio não sabia, eu fazia parte deste sistema, não me via na pele, até vir para Lisboa e ir para o Porto. Aí já comecei a perceber. Chegar à estação da Batalha e estarem vários táxis parados e nenhum querer levar-me e a desculpa era sempre a mesma: “estamos à espera de uma pessoa”. Até haver um taxista que, passados mil anos, me disse “sabe, quando estamos estacionados aqui, somos obrigados a transportar, nós não podemos esperar ninguém numa praça. Da próxima vez, anote a matrícula e denuncie à polícia, isso dá direito a multa”. Depois vim para Lisboa e aconteciam cenas que não acreditava, estares ali, em frente ao Mercado Time Out, estenderes o braço para um táxi, ele não pára. Dizia a uma amiga portuguesa, chama, depois experimentei com um amigo caucasiano, para não ser só aquela coisa é porque é mulher, e os táxis paravam. Bateres de frente com isso.»
Com a sua música, umas vezes cantada em português, outras em crioulo, Dino d’Santiago conta muitas histórias, mas também expressa opiniões, dá a ver situações habitualmente arredadas do nosso olhar mais formatado e cria pontes entre pessoas que se julgam em lugares distintos sem saberem que fazem parte de um mesmo mundo. Às vezes, é preciso girar um pouco a cabeça para ver esse mundo de outros ângulos e foi isso que fez quando surgiu nas comemorações do 25 de Abril com uma t-shirt, feita especialmente para o seu filho, onde se lia “Preto, estás na tua terra”: «Sou um preto em construção, não sou um branco em desconstrução. Essa t-shirt foi para o Lucas [o filho], não foi a pensar em mim, não foi a pensar nos mais velhos. É uma oração para mim: lembra-te, tu estás na tua terra, não tens de reclamar este chão que este chão também é teu. Não quero que o meu filho cresça com ‘preto vai para a tua terra’. Tu vais sentir sempre preto tu estás na tua terra, tu estás na tua terra, tu estás na tua terra. A água vai bater tanto na pedra que vai furar um dia.» E, mais adiante, completa: «Quando levei essa t-shirt para Grândola no dia 24 de abril, pensei “foi aqui”, foi propositadamente a minha farda, no sentido de é o meu escudo para com os vários “preto vai para a tua terra” e então foi só mudar o discurso e sente-te. Foi para os negros, não foi uma coisa para um caucasiano sentir “ah, olha, é verdade, ele também está na sua terra”. Foi, por favor, sente-te, foi para os meus irmãos de cor, a pessoa que tivesse a minha tez sentir-se, tu estás no teu chão. Eu estou na minha terra e não há mal nenhum chamarem-me preto, é o que eu sou. Esta é a minha terra, se vou para a minha terra, estou na minha terra. Qual é a terra? Sinto que muita gente interpretou de outra forma e está tudo certo porque foi bonita a forma como viram. Às vezes, o propósito é maior do que a intenção e tens só de a abraçar.» Vale a pena ler na íntegra e dar a ler a outros e outras.