Descentralizar agendas: há vida para além de Lisboa e do Porto
O processo repete-se anualmente: chegamos a Setembro e anunciam-se os momentos altos da rentrée, seja ela literária, teatral ou artística. Nos jornais, há espectáculos e exposições para inaugurar o novo ano escolar e de trabalho, alguns anunciando grandes nomes da cena internacional. Aquilo que costuma unir todos esses acontecimentos é o facto de poderem ser usufruídos em Lisboa e no Porto. Fora dessas duas cidades, parece não haver recomeço, nem criação artística, nem espectadores.
Percorrendo as agendas de companhias teatrais e centros culturais de diferentes dimensões um pouco por todo o território português, percebe-se a ilusão. Só as agendas de Lisboa e do Porto merecem destaque, mas o país tem muito mais para oferecer e, ao contrário do que por vezes se escuta em comentários televisivos, fora das duas cidades não há apenas paisagem. Como quase tudo, trata-se de uma escolha e a nossa, nesta edição, passa por percorrer algumas propostas para a rentrée cultural deixando de fora Lisboa e o Porto, cidades já sobejamente referidas nos mais recentes artigos sobre o que há para ver e ouvir neste recomeço quase outonal.
Algarve
Começamos pelo Sul. Nem de propósito, este périplo pode começar pelo debate sobre «A descentralização na Cultura: o que é e como se faz?», que junta Cátia Terrinca, da associação cultural UMCOLETIVO, Dália Paulo, Directora Municipal de Loulé, e João Costa, do grupo de teatro Mãozorra, de Vila do Bispo, com moderação da jornalista Diana Santos Gomez. É já no dia 19 de Setembro, na sede do Instituto Português do Desporto e Juventude, em Faro.
Também em Faro, no dia 22 deste mês, as Ruínas Romanas de Milreu acolhem parte da programação da bienal de artes contemporâneas BoCA, que tem marcado presença em diferentes pontos do país. Entre os vestígios de um passado que ajudou a definir práticas e identidades, o concerto da catalã Marina Herlop promete convocar sintetizadores e batidas para uma reflexão sobre a linguagem não-verbal.
Caminhando em direcção ao Barlavento, Lagos recebe, no dia 24, o espectáculo Almaradentro, uma co-produção entre o Teatro Experimental de Lagos, a companhia de circo contemporâneo Vaya e três acrobatas algarvios. No centro da cidade, na Praça do Infante, estarão em cena e em jogo as realidades por vezes muito distantes do interior e do litoral algarvios, mas também do nosso próprio interior e daquilo que mantemos lá fora.
De regresso a Faro, já no dia 7 de Outubro, oportunidade para ver Louise Michel/Artista Figuras, da dupla Ana Borralho e João Galante. Em palco, 10 mulheres resgatam uma das protagonistas da Comuna de Paris, Louise Michel, discutindo a opressão, a resistência e a liberdade num espectáculo que tem como ponto de partida o texto «Deviam ter Deviam ter ficado em casa, seus idiotas», de Rodrigo Garcia, e a canção «Exit music (for a film)», do álbum OK Computer, dos Radiohead.
Já com o Outono definitivamente instalado, o Teatro Lethes, em Faro, recebe no dia 21 de Outubro, um concerto do Rancho de Cantadores da Aldeia Nova de S. Bento. Grandes produções internacionais podem marcar a rentrée, mas a ideia de uma visão cosmopolita e cheia de vontade de conhecer o mundo também se alimenta do que está aqui à beira, por vezes escondido pelas falsas distâncias impostas pela centralização, mas ainda assim disponível e acessível.
Alentejo
Em Serpa, Fernando Mota apresenta o seu Sursum Corda – Através de tudo, um ensaio aberto que coloca no palco um espectáculo multidisciplinar, onde predomina a música e a experimentação sonora, a partir de jogos sonoros e poéticos entre o mundo vegetal, mineral e humano. É no dia 23 de Setembro, no Musibéria, e resulta de uma o-produção entre A Caravana Passa, Artemrede, CENDREV, Teatro José Lúcio (Leiria), Teatro Municipal de Faro e FIMFA.
No fim deste mês, o Festival TassJazz instala-se no Jardim do Mercado, em São Luís, Odemira. No dia 29, escutam-se Rui Fernando Quinteto com Viola Amarantina e Mário Barreiros Quarteto Pacífico. No dia 30, é a vez de Indra Trio e Alex Stuart Quinteto. Sempre com entrada gratuita.
Ainda a Sul, mas já um pouco mais para Norte, o Cineteatro Curvo Semedo, em Montemor-o-Novo, recebe Gran Bolero, espectáculo do coreógrafo espanhol Jesús Rubio Gamo que convoca bailarinos de Madrid e de Barcelona para uma revisitação do famoso Bolero, de Maurice Ravel.
A fechar Setembro, no dia 30, a associação Capote Música faz regressar o festival Music’Aldeia a São Miguel de Machede, perto de Évora. Integrando as festividades em honra do santo padroeiro da freguesia, a Capote Música persiste no seu trabalho de descentralização e proximidade com as comunidades locais, levando ao palco as bandas O Lado de Dentro e Vasco Ribeiro & Os Clandestinos.
Setúbal e Margem Sul
Trazendo de volta aos leitores um escritor nem sempre muito lembrado, a associação 50Cuts apresenta o filme Itinerário – o meu caminho até Sebastião da Gama, de Alberto Pereira. A projecção acontece no dia 22 de Setembro, na Escola Conde de Ferreira, no Barreiro, com entrada livre.
No dia seguinte, 23, quem estiver por Almada vai ter de escolher. À mesma hora, 21:00, Mário Laginha e Tcheka tocam juntos no Teatro Municipal Joaquim Benite, a casa da Companhia de Teatro de Almada, enquanto a incrível Tasca Móvel – OqueStrada sobe ao palco do Museu da Cidade de Almada, com a voz de Miranda a comandar as operações.
No centro de muitos centros
Na nossa geografia mental, o Centro é esse espaço que parece estender-se ou reduzir-se conforme o sítio de onde falamos. Vamos assumir, para efeitos práticos, que o centro de que falamos abrange toda a região entre o Alentejo e as terras a norte do rio Douro. É quase um país, tantas vezes esquecido, mas povoado de companhias teatrais, bandas de música, museus, projectos vários que persistem no trabalho cultural no seu sentido mais vasto.
A Companhia Paulo Ribeiro leva ao Cineteatro Avenida, em Castelo Branco, o espectáculo Ceci n’est pas un film. A coreografia de Paulo Ribeiro é interpretada por Ana Jezabel e Francisco Rolo, que exploram a ideia de filme a partir das histórias a dois, pequenos gestos que vão encenando a narrativa de um ou vários amores possíveis. Sobe ao palco no dia 29 deste mês.
A 27 de Setembro, há música para todas as idades no Teatro Municipal da Guarda. Catarina Moura, Celina da Piedade, Sara Vidal e Ricardo Silva percorrem algumas histórias em torno da vida e da música de Amália Rodrigues, num espectáculo intitulado Assim Devera Eu Ser, onde os ouvintes mais novos podem descobrir um património que vai muito além dos fados mais conhecidos ou das imagens mais icónicas.
Entre os dias 5 e 13 de Outubro, Seia recebe a 29ª edição de um festival de cinema que tem o equilíbrio ambiental no seu âmago. O CineEco – Festival Internacional de Cinema Ambiental da Serra da Estrela é o único festival de cinema ambiental a acontecer em Portugal e conta, este ano, com mais de seis dezenas de filmes, seleccionados a partir da produção de mais de 27 países. Para além dos filmes, estão programadas várias outras actividades, de conversas com realizadores a exposições, passando por acções de formação ambiental em escolas da região. O centro do CineEco localiza-se na Casa Municipal da Cultura de Seia, espalhando-se, depois, para outros locais.
A companhia teatral Bonifrates volta a As Intermitências da Morte, de José Saramago, num espectáculo que parte deste romance para uma reflexão transversal sobre a sociedade contemporânea, o modo como nos relacionamos e como habitamos o mundo. O espectáculo sobre ao palco do Teatro Académico Gil Vicente no dia 13 de Outubro.
De 5 a 15 de Outubro, o Festival Materiais Diversos instala-se entre Minde e Alcanena, no distrito de Santarém. Já na sua 12ª edição, este festival propõe um programa que junta espetáculos de dança, teatro e música, com instalações e conversas várias, sem esquecer o trabalho com as comunidades locais, nomeadamente através da escola. Desacelerar e tornar visíveis as pessoas, os lugares e os processos é o mote da edição deste ano, cuja programação andará por vários lugares.
O espectáculo que nasceu do livro O Convidador de Pirilampos, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves, continua a percorrer o país e tem paragem marcada em Leiria, no Teatro Miguel Franco, no dia 10 de Outubro. A encenação é do próprio António Jorge Gonçalves, responsável pelas imagens deste livro, e a história do menino inventor e do seu avô costuma ser anunciada para um público mais juvenil, o que não deve impedir espectadores de todas as idades de se sentarem no escuro e assistirem a este espectáculo.
A companhia luso-francesa O Último Momento leva a Tondela o espectáculo Une Partie de Soi (Uma Parte de Si), onde o novo circo tira partido da técnica do mastro chinês para uma deambulação nas alturas sobre o indivíduo que se arruma na pela do acrobata. É na ACERT, no dia 23 de Setembro.
Em Lamego, já bem no Norte deste Centro, há uma exposição de Ana Hatherly para ver até ao dia 1 de Outubro. É na Galeria Solar da Porta dos Figos – Casa do Artista que podem ver-se as peças que compõem Ana Hatherly. Poeta chama poeta, uma mostra que reúne um conjunto de obras dda escritora e artista plástica pertencente à Coleção de Serralves, numa viagem pelas linhas de investigação artística que definiram o seu percurso em torno da plasticidade da escrita.
Ao Norte
Chegamos ao Norte, ou aos muitos nortes que temos a sorte de ter por cá, entre o verde minhoto desse litoral sempre gelado e as lonjuras oferecidas pelas terras transmontanas.
Em Vila Real, Setembro aproxima-se do fim com a oportunidade de uma conversa. A interlocutora é Olga Roriz e esta Conversa de Bastidores não é um espectáculo, é mesmo um momento em que o público pode falar com a coreógrafa e criadora de tantos espectáculos que já habitaram as tábuas de palcos do mundo inteiro. O encontro é no dia 21 de Setembro, no Teatro de Vila Real.
Ali perto, entre Coêdo e Benagouro, a Peripécia Teatro continua a sua programação anual do festival Lua Cheia, Arte na Aldeia. Para o dia 29 de Setembro está marcado o espectáculo Aloha, criação do Trigo Limpo teatro ACERT, paródia muito séria sobre o papel do turismo e do consumo na gentrificação dos lugares e na crise climática, mas também social e económica que começa a parecer endémica. Já entre os dias 27 e 29 de Outubro, o festival prossegue com a subida à cena de O Ensaio dos Abutres, criação teatral da própria Peripécia que coloca em cena o processo de extinção que oferecemos a diferentes espécies, confrontando-o com a nossa existência colectiva.
Entre 29 de Setembro e 7 de Outubro, Bragança é a casa do ClassicFest, um festival internacional de música que levará à cidade transmontana orquestras, solistas e diferentes formações musicais para interpretarem obras de Mozart, Schubert, Beethoven, Dvořák, Bach ou Tchaikovski, para além de árias de óperas de Verdi ou Puccini. Os concertos acontecem em diferentes espaços bragantinos.
Na Casa das Artes, em Famalicão, este mês não acaba sem uma estreia. Numa co-produção da Ensemble com a Casa das Artes de Famalicão, Teatro Municipal de Bragança e São Luís Teatro Municipal/EGEAC, sobe ao palco o espectáculo Mulheres de Shakespeare de Fátima Vieira e Matilde Real, com interpretação das actrizes Emília Silvestre e Sofia Fernandes. O périplo pela galeria de personagens femininas da obra de William Shakespeare é também uma reflexão sobre o papel das mulheres hoje, na criação teatral ou nos quotidianos onde os lugares de destaque e de poder continuam a ser predominantemente masculinos.
Em Guimarães, 20 de Outubro é o dia de inauguração da Bienal de Ilustração de Guimarães. Estendendo-se até ao fim de Dezembro, a BIG tem na sua programação exposições, conversas e um ciclo de palestras programado por Tiago Manuel que, este ano, levará à cidade Mariana Rio, Luís Afonso e Marcos Farrajota. A abrir a programação, será anunciado o Prémio Nacional BIG.
Ilhas
O Teatro Micaelense, em São Miguel, estende o seu palco para a rua e aí leva à cena Discurso em Curso, um espectáculo de Catarina Medeiros que quer discutir a comunicação não-verbal, os modos de nos relacionarmos e dizermos coisas uns aos outros que não passam pela palavra e pelo discurso. Marcado para o dia 22 de Setembro este espectáculo foi criado para a Associação de Paralisia Cerebral de São Miguel e tem entrada livre, com recomendação para públicos de todas as idades.
Já no fim de Outubro, no dia 27, é o Coliseu Micaelense a receber um outro espectáculo de entrada livre, retomando a boa tradição dos filmes musicados. No ecrã, o Frankenstein de James Whale, exibido pela primeira vez em 1931. A acompanhar o filme, a banda sonora de Michael Shapiro, tocada ao vivo pela Filarmónica Nossa Senhora das Neves, com direcção do maestro Hélio Soares.
O Centro de Congressos da Madeira, no Funchal, recebe no dia 23 de Setembro um concerto da Orquestra Clássica da Madeira. Com direcção do maestro Andrea Barizza, o programa inclui o Concerto Para Violino em Ré Maior e as Variações Sobre um Tema de Haydn, de Johannes Brahms, e a Abertura “Rosamunde” D. 797, de Franz Schubert.