Amigos
Daniela Sosa
Lilliput
Tradução de Lara Xavier
Parece um disco riscado: mais um livro sobre a amizade. Podemos pensar por outro prisma: é um grande desafio criar algo que assenta num dos temas mais antigos e universais de sempre.
Essa é a experiência individual de cada leitor: de acordo com o seu contexto biográfico, com o estádio de desenvolvimento pessoal e cultural e com a sua competência de leitura um livro pode ser mais ou menos original ou transformador. Porém, se a abordagem temática, a estrutura retórica e a composição estética se pautarem por uma coerência que dá unidade ao livro, a hipótese de ser bom para vários perfis leitores aumenta exponencialmente.
Assim acontece com este álbum ilustrado. Podemos lê-lo como um guia de possibilidades para a amizade: como se formam amigos, quanto dura uma amizade, que comportamentos as sustentam na sua diversidade. É uma espécie de caixa de Pandora em que tudo pode acontecer. Às vezes é triste, outras inevitável, outras surpreendente, outras maravilhoso. Elencam-se situações quotidianas: duas crianças que se conhecem e relacionam numa fila, duas amigas que acolhem um novo elemento, uma discussão, uma noite a dormir juntos, uma brincadeira comum, reações e emoções positivas e negativas.
Não se define a amizade em absoluto, nem como valor, nem como sentimento. Cada momento é descrito através da ilustração em vinhetas sem contorno. As expressões e os movimentos das crianças criam laços de familiaridade e empatia com o seu estado de alma. As diferentes situações permitem aos leitores antecipar e reconhecer experiências biográficas, desmistificando expectativas inalcançáveis/ irrealistas.
Essa é mensagem a que todo o livro dá unidade, sem moralismos didáticos. Contraria absolutos como a ideia de que uma amizade deve durar para sempre, ou ainda que deve durar para sempre nos mesmos moldes.
O fim da amizade ou a sua transformação são apresentados com simplicidade e naturalidade, num exercício de formulação de hipóteses que aceita a mudança e nunca desacredita no valor de ser e ter amigos.
A prática de ações que denotam respeito, solidariedade e empatia não são elevadas a regras morais. Assim o álbum recusa a descrição de um comportamento correto e único para se ser um bom amigo. Assume ainda, através da ilustração, o papel de representar leitores de aparências diferentes o que reforça o sentido universal do livro.
Que cada leitor se deleite ou se entristeça, tudo é possível. Porém, o final abre a todos uma condição de esperança que subtilmente se começa a desenhar logo nas primeiras páginas. Que valiosa é essa mensagem.