Dalton Trevisan e Rubem Braga, uma amizade em cartas
Conhecer os escritores através da sua correspondência será coisa do passado, mas ainda oferece surpresas como as que se guardam nas cartas de Dalton Trevisan e Rubem Braga.
Na revista brasileira Quatro Cinco Um, a investigadora Elvia Bezerra escreve sobre a relação entre Dalton Trevisan e Rubem Braga a partir da sua correspondência. A amizade entre os dois escritores começou num contexto nem sempre dado a simpatias: Rubem Braga foi um dos elementos do júri que deu a Dalton Trevisan o prémio no Concurso Nacional de Contos, em 1968, uma organização da Fundação Educacional do Estado do Paraná (Fundepar), hoje Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educacional. A partir daí, a amizade mútua foi sendo cultivada em encontros, cartas e um gosto partilhado pela criação de pássaros que esteve na origem de alguns textos de ambos os autores, Braga conhecido como Sabiá, Trevisan como Vampiro de Curitiba (pelas suas insónias lendárias, para além das referências vampirescas em parte da sua obra).
Escreve Elvia Bezerra: «Os títulos vampirescos escondem a verdadeira personalidade do autor: amigo generoso, conversador discreto, mas divertido, leitor e devotado conhecedor de Tchekhov. Suas vindas ao Rio eram esperadas com alegria na casa de Otto Lara Resende, onde o suave Vampiro se regalava com os magníficos almoços e jantares que Geralda, a cozinheira dos Lara Resende, preparava para ele. Além disso, havia as tardes inteiras de conversa no “palacinho”, como a mesma Geralda chamava um pequeno apartamento na rua Piratininga, na Gávea, onde Otto montou seu escritório particular. Dali, ou da casa oficial de Otto, acontecia de seguirem para a cobertura de Rubem Braga, onde o assunto podia ser os sonetos de Camões. Vampiro e Sabiá compartilhavam ainda desse gosto. Se Dalton considera o tempo no amor no soneto “Sete anos de pastor Jacó servia/ Labão, pai de Raquel, serrana bela”, que termina com “Para tão longo amor tão curta a vida!”, para Rubem, “A grande dor das coisas que passaram” é um dos maiores versos do poeta português. Reproduziu-o na crônica “O mistério da poesia”, chamando a atenção para as palavras corriqueiras da nossa língua aí contidas. Pelo jeito, não gostava só do verso, e sim de todo o soneto, cuja abertura “Erros meus, má fortuna, amor ardente” evoca no fecho da carta.»
Entre conversas ao vivo e correspondência trocada, Dalton Trevisan e Rubem Braga não deixara de cultivar um diálogo intenso que enriqueceu a obra de ambos e que ao qual podemos aceder, ainda que apenas parcialmente, através dos excertos de cartas de um e outro. O que será desta riquíssima fonte de informação e conhecimento na era dos emails e dos discos externos tão facilmente corrompíveis pela passagem do tempo?