A última crónica de um mestre
Referência central do jornalismo, Fernando Alves assinou a sua última crónica na TSF e é muito provável que a rádio em Portugal não volte a ser a mesma.
Foram cerca de 30 anos a escutar diariamente a voz de Fernando Alves na rádio, começando num tempo em que ainda podíamos dizer “telefonia” e terminando agora, quando a rádio já se escuta noutros sítios, longe da recepção das antenas emissoras, em qualquer ecrã portátil destes que trazemos no bolso. Sinais era uma rubrica em modo de crónica, um registo dos dias, uma partilha de histórias, descobertas ou pequenas anotações sobre a vida e o tempo que a vai definindo. Ali escutámos recomendações de livros, conversas de café, estradas que levam a lugares cujo nome identificamos no mapa ou outras que parecem não levar a lado algum, comentários sobre as notícias, nacionais e estrangeiras, histórias de pessoas, muitas. Os Sinais ouviam-se, mas sobretudo davam a ouvir e faziam-no num registo único, naquela intimidade que só a rádio permite, fazendo de cada ouvinte o ilusório destinatário único das palavras que diariamente Fernando Alves escolhia para nos levar o mundo às meninges. Agora, depois das recentes reestruturações da TSF, que acabaram por destituir o director Domingos de Andrade, Fernando Alves decidiu sair. Como disse ao jornal Público, «assim que percebi que isto caminhava para um desfecho triste, pedi aos astros que me permitissem sair no mesmo dia em que ele saiu. Saio dois dias depois.»
A fechar os Sinais, ouviram-se estas palavras: «Partilho convosco esta passagem do magnífico livro que me ocupa por estes dias, na última crónica que assino nesta rádio. A meu modo, vou ocupar as horas, em grande medida, um pouco à maneira do vagabundo desta história. Não penso sentar-me no chão, à porta de uma livraria. Mas procurarei, muitas vezes, bancos de jardim, à sombra. E assim me deixarei ficar, absorto, tomando notas para uma improvável emissão futura, feita de silêncios e de palavras elementares, assim me pouse no ombro a ave clandestina. Ambição chã. Ficarei a ver passar os transeuntes com o seu ar triste, como só os vagabundos sabem detectá-lo. Até sempre.» Do lado de cá das ondas sonoras, retribuímos a despedida, mas não abandonamos o firme propósito de voltarmos a escutar esta voz que nos acompanhou durante tanto tempo, tantos dias.