A praga
Em 1996, num texto intitulado «Os escritores perante o racismo», que se publica na secção Saramaguiana desta edição da Blimunda, José Saramago escrevia sobre o papel que os escritores, e, mais do que estes, todos, deveríamos assumir perante a praga do racismo. Hoje, passados mais de vinte anos, continua a parecer inverosímil que tenhamos de continuar a afirmar-nos como anti-racistas. Mas a História, com exemplos que chegam de várias pontos do mundo, cada vez mais, é preciso que o digamos, continua a demonstrar-nos que essa é uma tarefa inacabada.
Falando deste rectângulo, que continua a ser o último ponto de chegada do que muito de mau acontece pelo mundo, temos assistido nos últimos anos ao crescimento das manifestações de discriminação, seja através de pinturas em paredes, das palavras de titulares de cargos públicos, que por obedecerem à constituição deveriam ser impedidos de os manter, ou de acções que resultam em ataques físicos ou na morte de cidadãos que sofrem pelo único facto de terem uma cor de pele diferente ou por estarem do lado oposto de quem alimenta a praga. E também por tudo isto é claro que o racismo estrutural existe, está aí, sempre esteve. O que durante muito tempo não se afirmava por ser “politicamente incorrecto” volta a sair à rua com uma força que alguns julgavam inimaginável.
Na Fundação José Saramago levantamos a voz contra a praga e até ao final de 2020 dedicamos a nossa programação regular ao tema do anti-racismo. E fazemo-lo ouvindo quem o estuda, quem o sofre, quem o denuncia. Porque o silêncio é uma forma de conivência.