Quem cuida a obra de um autor?
“Cada vez que uma pessoa abre um livro, a obra de um escritor renasce, renova-se, volta à superfície. Enquanto nós, seres humanos que lemos, existirmos, o legado dos escritores manter-se-á vivo”. A frase é de Pilar del Río, presidenta da Fundação José Saramago, e foi dita no mês passado para um auditório de mais de mil pessoas no Porto, na edição anual do TEDxPorto. O tema escolhido pelos organizadores do evento era “Legado” e Pilar del Río, na sua intervenção, falou sobre o trabalho de cuidar do espólio de um Prémio Nobel.
Nesta edição da Blimunda publicamos na íntegra a intervenção de Pilar del Río e tomamos como mote a pergunta nela contida: Quem cuida a obra de um autor/autora?
Em março do ano passado, morreu María Kodama, ex-companheira de Jorge Luis Borges. Durante décadas ela cuidou do legado do escritor argentino e como nenhum dos dois teve filhos, com a morte de Kodama houve um vazio legal em relação a quem seria herdeiro/a de Borges. A Câmara Municipal de Buenos Aires chegou a levantar a hipótese de ser ela a legatária, mas finalmente, depois de alguns meses, sobrinhos de María Kodama reclamaram na Justiça o direito à herança. Não há ainda uma decisão sobre quem fica com o espólio do autor de O Aleph, mas a verdade é que isso não tem qualquer relevância em relação ao que ele deixou escrito. Os livros de Borges sobrevivem porque nós os lemos, porque leitoras e leitores no mundo todo abrem as páginas das suas obras e nelas viajam. Como disse Pilar del Río no Porto, a FJS cuida do “pensamento de José Saramago”, quem cuida da sua obra são os leitores. “Somos responsáveis pelo legado de Shakespeare, Camões, Cervantes, Kafka, Teresa de Jesús, Virginia Woolf, Pessoa, Borges, Emily Dickinson, García Márquez ou José Saramago. Essa é uma maravilhosa responsabilidade nossa”.