Rita Lee virou um estado de espírito
Na despedida da cantora que virou a música brasileira do avesso, um ensaio para recordar a sua intemporalidade.
A cantora e compositora brasileira Rita Lee morreu no passado dia 8 de Maio, aos 75 anos. Não dá para imaginar o que seria o Brasil sem a sua presença, as letras a rasgarem sentidos e a desafiarem poderes, a experimentação musical sem preconceitos nem interditos, a postura punk-rock-tropical que abanou tudo, convocou parcerias, fez nascer discos inesquecíveis e letras que havemos de continuar a trautear, mesmo que já seja difícil encontrar drops de anis nos cinemas.
Fugindo dos habituais obituários, regressemos a uma leitura de 2014. No Suplemento Pernambuco, um ensaio de Talles Colantino assinalava os 50 anos de carreira de Rita Lee: «Afinal, havia poesia em Rita Lee Jones desde a sua primeira imagem pública: o nome americano, cabelos ruivos, olhos azuis, tentando entender o que era o rock’n’roll num Brasil que começava a dispersar qualquer conceito de identidade. Contradições que escorriam por entre sardas de um rosto angelical e marginal (“roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido”), sumo primário de um suculento fruto proibido que adubou uma preciosa obra autoral da música brasileira.» Mais adiante, escreve Talles Colantino nesse texto sobre a poética de Rita Lee que continua a valer hoje, já depois da sua partida: «Foi rainha, santa, ovelha negra, maria-mole, Elvira Pagã, Luz del Fuego, Leila Diniz e todas as mulheres do mundo. Não é de se surpreender que nunca tenha existido mulher como Rita Lee, mesmo porque nem ela talvez seja tão Rita Lee assim. Após 50 anos emulando imagens e sensações, deixa de ser uma pessoa ou mesmo um personagem: Rita Lee virou um estado de espírito.»