Ler é um encontro
No dia 19 de maio de 1999, José Saramago esteve em Granada, na Espanha, para receber uma homenagem da Feira do Livro da cidade. Num discurso intitulado «Os nossos livros de cada dia», que posteriormente foi transcrito e publicado em espanhol, o escritor falou sobre os desafios de fomentar, promover e incentivar a leitura. O autor de «Que farei com este livro?» defendeu que a leitura nunca deve ser tratada como uma obrigação, mas como uma «devoção, uma paixão, um prazer».
Numa época em que a internet ainda era acessível para poucos e não existiam as redes sociais e os telefones «inteligentes», Saramago via na televisão o principal rival dos livros. «A televisão, com o seu bombardamento sistemático de imagens, não substitui a letra impressa, apesar de ter inúmeros adeptos e viciados. A chave reside no facto de não ser preciso fazer qualquer esforço para se estar quatro horas diante de uma televisão. De todo. Sentamo-nos no sofá e já está. Mas, ao invés, para ler é preciso esforço. Ler é que é mesmo uma batalha». Ler, diz o Prémio Nobel de Literatura, está longe de ser uma atividade passiva, exige esforço, mas compensa. «Ler é um encontro. Ler é um autêntico diálogo entre a minha sensibilidade e o meu pensamento e a sensibilidade e o pensamento do escritor. Ler é uma relação. Olhar para um ecrã não cria nenhuma relação.»
Atualmente, o grande «rival» dos livros são os smartphones, cujos ecrãs bombardeiam-nos o dia todo, todos os dias, com imagens, sons e estímulos. Como promover o interesse das pessoas à leitura? Como estimulá-las a abrirem um livro? Na sua intervenção em Granada, José Saramago deixou uma sugestão: «Porque é que os leitores de um livro que se conhecem e vivem mais ou menos próximos uns dos outros não se reúnem para falar desse livro depois de o terem lido? Porque é que a leitura tem sempre de ser uma atividade solitária? Porque não haver um intercâmbio entre leitores e livros? Porque não falar de um livro que acabou de sair ou de livro que faz parte da nossa cultura e da nossa educação sentimental? Isto seria realmente fomentar a leitura no próprio leitor, em vez de cair na ambição, porventura desmedida, de pôr toda a gente a ler.».
«O livro é algo mais do que um objeto que se arruma na prateleira para não mais se regressar a ele, é uma plataforma de comunicação entre pessoas», disse Saramago na Andaluzia. Façamos, pois, dos livros uma ferramenta de aproximação aos demais.