Isto não é
Marco Taylor
Edição de autor
As afirmações que ilustram as imagens parecem óbvias. Porém, quando a definição de algo acontece pela diferença – “Isto não é um peixe” – em vez de ‘isto é um submarino’ tal como se percebe pela imagem, a leitura vai noutra direção.
Não se trata de limitar e sim de ampliar sentidos. A cada duas páginas uma figura e uma declaração negativa que a define. A páginas tantas (e não demora muito) o leitor já muda a página na expectativa de encontrar na figura aquilo que ela não é. Porque a frase joga com a similitude, muitas vezes estabelecendo lógicas metonímicas. O peixe pode ser identificado numa das partes do submarino, tanto quanto a montanha no telhado da casa ou a mesa nas quatro patas do gato. O processo de associação entre a parte e o todo não é o único. Há associações formais e funcionais: a forma da serpente, da língua bífida à cauda, pode assemelhar-se ao cinto com a sua fivela; e as bossas também estão nas costas do camelo tal como uma mochila nas costas de uma pessoa.
A técnica do carimbo abre para uma imperfeição formal que serve bem este jogo. Não há linhas de contorno, apenas o preenchimento da forma com as irregularidades da impressão da tinta sobre o papel. Estas podem ser suficientes para oferecer à vista um vazio de cor que se associa a um ou outro elemento da tal figura que não é: um ponto branco bem pode ser um olho, por exemplo.
A geometria também contribui para uma nova predisposição do olhar: do concreto para o abstrato para um outro concreto. Uma árvore representada por um rectângulo e um círculo pode ser um gelado. Será uma bola de gelado verde escuro, que até pode ser porque na verdade não é. Significa então que o propósito desta leitura leva o leitor a imaginar, a aceitar a dualidade entre o que conhece e todas as possibilidades do desconhecido, seja ele potencialmente imaginário ou real.
O jogo não se fica por aqui. Não é só o efeito que importa mas também o processo. Quando o texto ilustra a imagem e não o contrário, o livro ganha uma dimensão provocatória, associada ao humor da surpresa e da antecipação.
Neste minilivro tudo é simples, intuitivo e lúdico. E pleno de sentidos.
