Saramaguiana
por Ricardo Viel 12 Abril 2022
© Fernando Peres Rodrigues

A história de uma pedra

Em 1997 José Saramago recebeu em sua casa, em Lanzarote, uma equipa de reportagem da revista Caras de Portugal. Terminada a entrevista, o fotógrafo Fernando Peres Rodrigues propôs-lhe um passeio pela ilha. «Percebi que o José Saramago tinha uma ligação àquela terra telúrica. Propus que déssemos um passeio pelos locais da sua preferência e pedi que se abstraísse da minha presença. Simpaticamente, aceitou o convite», recorda o fotógrafo. A dupla cruzou povoados, subiu vulcões e chegou até uma praia. O escritor então pôs-se a caminhar junto ao mar e, tal como no poema de Carlos Drummond de Andrade, encontrou no meio do caminho uma pedra. Abaixou-se, recolheu-a, e aproximou-a dos olhos para observá-la melhor. Foi neste momento que Peres Rodrigues carregou no botão da sua câmara capturando o instante.

A foto de Saramago com a pedra acabou por não ser publicada na revista – os editores preferiram outras instantâneas do fotógrafo – e a imagem caiu num esquecimento que durou mais de duas décadas. Até que Alejandro García Schnetzer e Ricardo Viel, autores do livro Saramago, os seus nomes entraram em contato com Peres Rodrigues para perguntar-lhe se tinha mais fotografias do escritor. Respondeu que sim, pediu uns dias para encontrá-las, e depois mandou uma dúzia de fotos, inéditas, incluída a imagem da pedra, que terminou por ser escolhida como capa para o álbum biográfico agora publicado.

“Às vezes eu digo que não invento nada, o que faço é mostrar: como quem vai por um caminho e encontra uma pedra, levanta-a para ver o que é que está debaixo… É isso que eu faço. Não há uma premeditação, nada há de uma atitude intelectual prévia”, disse certa vez o autor de A Jangada de Pedra, que tinha em casa uma pequena coleção de pedras recolhidas em vários sítios por onde esteve (Palestina, Machu Picchu, Timor, Chiapas, Castril, etc).  

Escolhida a foto de capa do livro, os autores do álbum biográfico enviaram a Pilar del Río a imagem. De Lanzarote, ela avisou que ainda conservava a pedra que o seu marido, numa tarde de 1997, havia trazido a casa.

Atualmente a pedra está em exposição na sala Guayasamin da Casa de América, em Madrid, junto a uma exposição que recolhe alguns textos e imagens do livro Saramago, os seus nomes.