Espelho Meu Andreia Brites 4 Fevereiro 2022

Selva
Marina Gilbert
Kalandraka

Neste álbum sem texto a profusão de cor e formas leva o leitor para a liberdade desordenada da selva desde as guardas iniciais. O que se desvenda e o que se esconde acrescenta uma sensação de mistério. A cumplicidade com o menino protagonista que explora o ambiente acontece naturalmente. É através dos seus passos que esperamos nós descobrir o lugar.

Porém, a narrativa guarda uma surpresa que se revela à medida que as páginas vão sendo viradas: há uma pista que se distingue ou não, e que depois se concretiza em alguém. O menino não está sozinho e os seus adjuvantes são justamente os animais selvagens que habitam o ecossistema, da serpente às borboletas, do crocodilo ao tigre, do golfinho ao orangotango. Todos existem, com todos a criança interage de alguma forma, e nenhum denota o mínimo de agressividade. Apenas permanecem na sua esplendorosa dimensão, inicialmente percepcionada num fragmento. O jogo visual potencia associações de movimento, perigo ou acesso e até evoca referências cinematográficas.

A estética da caminhada não se esgota aqui. É no desenlace que reside a maior surpresa, depois de desvendado o mistério dos animais. Agora que a empatia se confirma, dá-se novo confronto, desta feita entre o espaço natural e o fabricado, e o título ganha novo sentido.

O menino, cuja curiosidade leva a que atravesse a passagem, torna-se o emissário (in?)voluntário de nova transformação. As plantas e os animais da selva contaminam o betão da cidade. Será o património que a criança carrega? Será uma afirmação de resistência? Fica ao critério do leitor.

Ao longo das páginas deste livro, vencedor da edição de 2021 do Prémio Internacional Compostela para Álbuns Ilustrados, não há espaço para nada mais, além da poética sensorial da descoberta.

→ kalandraka.com